Pérola
Minha mãe é uma peça… alegre, mas não boba.
Por Luiz Joaquim | 26.09.2023 (terça-feira)
E o ator Murílio Benício dá um novo passo, novamente firme, ao terreno da direção cinematográfica. Após a elogiada estreia em 2017 com a sua revisão para O beijo no asfalto, o realizador assina a direção de Pérola (Bra., 2023). Mais uma vez cercado de bons (elenco, roteiristas, assistentes, fotógrafos, figurinistas, cenógrafos), ele entrega ao espectador um produto calibradinho naquele conceito pouco explorado no atual cinema brasileiro: o feel good movie.
Pérola, adaptado da peça homônima de Mauro Rosi – cujo protagonismo no palco foi defendido por Vera Holtz –, resolve com acuidade sintética a apresentação da personagem-título que, como um astro, faz a todos girar ao seu redor sendo a sua constante alegria o seu poder imantador.
Está claro que a perspectiva que nos chega de Pérola (Drica Morais, ótima, na versão cinematográfica) é a do primogênito Mauro (Leonardo Fernandes) e, sendo assim, a divertida Pérola, pelos olhos do menino Mauro, vai se transformando na cansativa Pérola pelos olhos do Mauro adolescente e na intolerante Pérola pelos olhos do jovem adulto Mauro, que cultiva a pretensão artística de se tornar um poeta e dramaturgo enquanto tenta esconder a homossexualidade.
Ainda que o cuidadoso roteiro assinado por Adriana Falcão, Marcelo Saback e Jô Abdu, com supervisão de George Moura, consiga dar conta de personagens de uma família inteira de classe média em Bauru, interior de São Paulo, entre os anos 1960 e 1980 – incluindo aí tias, a filha mais nova, um genro e uma avó onipresente mas nunca fisicamente presente (boa sacada!) -, as sutilezas na gradação de cores, digamos assim, de Pérola carece de mais contrastes na medida em que o tempo avança entre mãe e filho.
Mas está claro que a predominância desejada aqui é a do humor, estabelecendo esta como a marca maior de Pérola que ficou no menino, no adolescente e no adulto Mauro nos primeiros dias após a morte da sua mãe (não há spoiler aqui. “Minha mãe morreu” é a primeira fala que escutamos da boca de Mauro ao início do filme).
Humor que Drica e elenco sustentam com a dignidade que só o desprendimento (junto ao profissionalismo, técnica e competência) possibilita chegar no envolvimento que Pérola, o filme, promove em seu espectador em poucos minutos de projeção.
E Benício merece crédito por articular com o seu time um timing afinado no que se refere à sequências que poderiam resultar em algo caótico, quando três ou quatro personagens falam ao mesmo tempo, cruzando assuntos, mas o que o diretor e elenco nos entrega é uma espécie de balé performático. Encenação bonita de ver.
O sonho da casa própria com uma piscina no quintal é o que faz mover Pérola pela vida bem casada ao lado do marido (Rodolfo Vaz), ou ao menos isto server como fio condutor para sintetizar as aspirações dessa personagem tão reconhecível por tantos brasileiros, do passado ou do presente.
Curioso observar que a fixação de uma outra mãe pela construção de uma piscina é também a condução que nos transporta pelo bonito longa-metragem de estreia de Thaís Fujinaga, A felicidade das coisas (2021).
Mas, ali, a representação da piscina espelha luta, sofrimento para uma possível libertação. Aqui, em Benício, a piscina é a pedra valiosa da ostra, é a própria Pérola, em sua alegria de viver a cada dia “o melhor dia de sua vida”.
E como é bom ver Drica Moraes num papel que a permita expandir a luz de seu grande talento.
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