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Transo

Transar é Humano

Por Felipe Karnakis | 05.12.2023 (terça-feira)

Falar de sexo é quase sempre um tabu em nossa sociedade. Retratar a vida sexual de pessoas com deficiência então, nem se fala. O assunto carrega um caráter duplamente estigmatizado. Por um lado, o puritanismo que reprime qualquer temática sexual e por outro o capacitismo, que define imaginários preconceituosos de pessoas com deficiência.

É exatamente essa fronteira que Lucca Messer se propõe a explorar em seu novo longa-metragem, Transo (Bra. 2023), obra que estreou domingo (3/12) no Canal Futura. O documentário não apenas expõe, mas celebra as histórias íntimas de personagens plurais. Cria-se um panorama de indivíduos com deficiências diversas, como pessoas com nanismo, em cadeira de rodas, surdas, muletantes, deficientes visuais e autistas. Todos, sem reservas, proclamam a mesma mensagem: “Eu transo e tenho o direito de falar sobre isso!”

A seleção de personagens transcende fronteiras físicas e geográficas, unindo pessoas de diferentes partes do Brasil e idades. Além de explorar a sexualidade na comunidade de pessoas com deficiência, o documentário também aborda questões como indígenas, gênero, LGBTQIAP+, racialidade e outras interseccionalidades, oferecendo visões particulares que merecem atenção.

Com um tom descontraído, os relatos ocorrem em um palco de teatro. De costas para a plateia vemos cadeiras vazias. Um espetáculo sem público. Essa atmosfera proporciona uma metáfora visual poderosa: Histórias que quase nunca são escutadas, encontram agora seu lugar na cena, ou melhor, no filme.

Nesse cenário, somos apresentados a Mona Rikumbi, a primeira mulher negra e cadeirante a atuar no Theatro Municipal de São Paulo. A dançarina revela com naturalidade seus percalços e descobertas na vida sexual, repudiando as visões capacitistas que deslegitimam o seu prazer. Fica evidente o incômodo gerado pelo estigma da pessoa com deficiência como inocente ou assexuada. Mona não só repudia essa premissa como se mostra a prova viva dessa subversão. “Eu nunca quis ser um anjo”, diz a personagem em uma de suas célebres aparições, que percorrem desde o detalhamento de suas posições favoritas até a importância da siririca.

Nesse sentido, uma conexão pernambucana com a obra surge a partir do curta-metragem A onda traz o vento leva (Bra. 2012), de Gabriel Mascaro. Apesar de ser uma ficção, Mascaro e Messer compartilham inquietações similares. O curta narra a história de Rodrigo (Marcio Campelo), um homem surdo, soropositivo, que trabalha instalando sons de carros. O enredo é um retrato do cotidiano da personagem, suas relações e a dificuldade de se inserir em uma sociedade ouvinte. Recordo-me que um dos grandes rebuliços que o filme causou derivou de uma cena específica, na qual o Rodrigo fala em Libras com um amigo, contando detalhes (bem detalhados mesmo) de uma transa na noite anterior. Como sempre, os mais puritanos criticaram o tom. Contudo, este retrato tem uma função muito importante na obra, que é justamente dessacralizar a figura da pessoa com deficiência. Encara-se com normalidade aquilo que pra sociedade normativa é um choque.

“Transo” foca em relatos estáticos, optando por uma abordagem expositiva simples para introduzir e divulgar narrativas antes invisíveis.

Rodrigo, Mona e a outra gama de personagens que nos são apresentados no longa, demonstram uma necessidade de incutir no imaginário coletivo representações que permitam naturalizar a sexualidade de pessoas com deficiência. Neste ponto, ambos diretores parecem acertar no alvo. Sem papas na língua, o sexo denota corpos livres, autônomos e conscientes.

Por fim, Transo, não é um documentário estilístico ou que se destaca por composições experimentais. A estrutura utilizada privilegia o modelo expositivo, dando mais tempo de tela para os relatos estáticos e não muito espontâneos. Esse olhar sobre tantas personagens possibilita uma bela introdução ao assunto, que mesmo não se aprofundando, cumpre um papel fundamental na disseminação de narrativas invisibilizadas. 

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