Ghostbusters – Apocalipse de Gelo
Ritmo burocrático marca o retorno da franquia
Por Paulo Henrique Silva | 12.04.2024 (sexta-feira)
A volta para Nova York – cenário dos primeiros filmes da franquia, lançados na década de 1980 – não fez muito bem a Ghostbusters. No novo filme, que traz o subtítulo Apocalipse de Gelo, a história sobre intrépidos e divertidos caçadores de fantasmas se perde no exagero: do grande número de autorreferências mal inseridas à trama aos conjunto de protagonistas.
No filme anterior, após uma tentativa malograda de reboot em 2016, com um elenco totalmente feminino, a reconexão com o original se deu em zona rural, com descendentes do quarteto original descobrindo a lendária trajetória de Peter, Egon, Ray e Winston, responsáveis por adaptar um antigo quartel de bombeiros para, da forma mais improvável, exterminar os mais diversos fantasmas.
Sem o forte lado urbano, gerador de comicidade nos primeiros filmes, com um olhar sarcástico ao yuppismo da época, “Mais Além” (2021) parecia fadado ao fracasso, ao recorrer a um velho artifício em torno de mudanças de cenários. Dirigido por Jason Reitman (filho de Ivan Reitman, criador e realizador da série), surpreendeu ao ser reverente sem abrir mão dos ingredientes principais, calcados no humor e no mistério.
No pós-crédito de “Mais Além” já havia uma deixa para o retorno a Big Apple, para o prédio onde estão enclausurados centenas de fantasmas capturados pelo antigo quarteto e pela nova geração de caçadores, capitaneada por Paul Rudd (o Homem-Formiga). Eles acabam sendo envolvidos numa armadilha de um antigo e maléfico deus para ganhar vida e subjugar os vivos.
A narrativa não esconde as semelhanças com o primeiro “Caça-Fantasmas”, na luta dos Ghostbusters para enfrentar um ser sobrenatural poderoso – e também aquele chato fiscal ambiental do primeiro longa, que reaparece agora como o prefeito da cidade e põe quase tudo a perder. A arrogância permanece, mas sem o tom jocoso despejado por Ivan Reitman, Harold Ramis e Dan Aykroyd.
Ramis faleceu em 2014 e seu personagem, o intelectual sério Egon, ganhou um emocionante tributo em “Mais Além”. Aykroyd participa do elenco, na pele do comilão e estudioso Ray, mas não como roteirista. Reitman pai também nos deixou, no ano passado, para quem “Apocalipse de Gelo” é dedicado. O texto ficou a cargo dos mesmos roteiristas do filme anterior – Jason e Gil Kenan, que é quem assina a direção.
O que teria se perdido nesse caminho? Possivelmente um mal planejado desejo de mostrar a passagem de bastão e marcar a despedida dos originais – um recurso, aliás, que já pautou outras franquias, de Star Trek a Rocky. Isso acontece de maneira muito atabalhoada na trama, exibindo um excesso de protagonistas e sub-tramas que prejudica muito o seu desenvolvimento.
Falta, especialmente, uma certa sutileza no acréscimo desses personagens. Alguns deles, poderiam ser facilmente descartados, como o garoto Podcast, que não tem muita função narrativa a não ser fazer o elo com o público dos jogos eletrônicos. Trevor, um dos netos de Egon, que teve papel mais determinante no capítulo anterior, tem papel apagado, às voltas com a bagunça do fantasminha camarada Geleia.
Kumail Nanjiani rouba as cenas em que aparece, como um neto pouco interessado nas histórias da avó falecida e que lhe deixa várias antiguidades que ele não pensa duas vezes em vender. Rick Moranis foi o centro das piadas sobre a sociedade dos anos 80 (solitária, egocêntrica e submissa ao mercado); e Nanjiani tinha tudo para repetir essa crítica agora, mas seu personagem imerge em vários momentos.
E o que seria o plot central – o fato de a outra neta de Egon, Phoebe, não ser levada muito a sério – acaba fragilizado diante da entrada e saída de tantos personagens, especialmente dos remanescentes originais. Bill Murray não parece muito à vontade ao retomar Peter, principal ponto de identificação com a plateia nos filmes oitentistas, ao exibir um misto de sarcasmo e rebeldia (ao status quo).
Uma das melhores cenas do longa-metragem de 1984 é quando Peter faz um teste, na faculdade onde ele, Ray e Egon realizam algumas experiências de parapsicologia, com uma bela garota, em que se percebe nitidamente o interesse dele além do sobrenatural, enquanto “tortura” o outro voluntário com eletrochoques. Essa sequência é lembrada, mas sem o mesmo sabor cômico, entre a ingenuidade e perversidade.
O ritmo burocrático de Apocaplise de Gelo tem a ver com a direção de Kenan, que assinou a ótima animação A Casa Monstro e a medíocre refilmagem de Poltergeist, o Fenômeno, títulos que o credenciaram a mergulhar no revisionismo de obras que trabalhavam o humor e o mistério (“A Casa Monstro” é recheado de referências que marcaram a década de 80).
Há algumas boas sequências que apelam para a memória dos fãs, como o encontro com a velha senhora fantasma na biblioteca ou mesmo o cruzamento de raios de prótons, que comprova que só a união é capaz de vencer o inimigo. Mas essa passagem de bastão, quatro décadas após o lançamento da franquia, não traz uma despedida convincente nem nos anima a acompanhar as próximas aventuras da nova geração.
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