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Críticas

Divertida-mente 2

Um filme infantil? E o seu filho, concorda?

Por Luiz Joaquim | 25.06.2024 (terça-feira)

No momento em que digitamos essas palavras, Divertida-mente 2 (Inside Out 2, EUA, 2024), atingiu a marca de arrecadação, no mundo inteiro, de 728.993.234,00 dólares americanos. Isto com apenas 11 dias de lançado nos cinemas deste planeta. É a maior bilheteria no seu ano de lançamento… até agora (junho). 

Mas este será o único indicador de sucesso que traremos aqui. 

Divertida-mente 2, assim como seu predecessor de 2015, se apropria da boa sacada de nos colocar na central de comando do cérebro da jovem Riley, agora com 13 anos (tinha 11 no filme anterior). 

Lá, dentro da cabecinha da jovem que acena para a puberdade, reencontramos suas emoções do primeiro filme – alegria, tristeza, raiva, medo e nojo – como seres coloridos e antropomórficos tendo de se entender com as novas emoções que estão chegando – ansiedade, inveja, vergonha e tédio –  para moldar a futura Riley dentro de uma nova e necessária sofisticação em seu comportamento social de, agora, mocinha

Como pano de fundo no enredo, e tal qual um ritual de passagem, veremos Riley se apartar das suas duas melhores amiguinhas da infância num final de semana longe dos pais, quando ela participará de um treino de hóquei no gelo ao lado de uma garota mais velha que admira. 

Enquanto isso, as sete emoções não se entendem naquilo que deve ser o guia de Riley no florescer dessa nova idade e desse novo momento em sua vida. A ansiedade toma o lugar da alegria e estabelece novas relações afetivas e também de negação a partir daquilo que a menina vai experimentar naquele final de semana. 

Essa nova turminha vai arrumar a maior confusão: Vergonha, Ansiedade, Inveja e Tédio.

Como no filme 1, a graça fica por conta das presepadas das emoções, cada uma a seu tempo, dando comandos exagerados a Riley em função do que elas (as emoções-bichinhos) captam do mundo pelos olhos da menina.  A reação lá fora, no mundo de Riley, será obrigatoriamente cômica para nós espectadores

Não é uma piada nova no cinema. Há mais de meio século, um homem chamado Woody Allen colocava no mundo Tudo o que você queria saber sobre sexo mas tinha medo de perguntar: uma coletânea de sete histórias das quais, numa das mais memoráveis, Allen é um espermatozoide que se prepara, digamos, para sair de sua zona de conforto e ir à luta. Deve penetrar num ovário ao mesmo tempo em que temores existenciais invadem sua consciência: “Dizem que eu posso bater com a cabeça numa parede de borracha”. Enquanto isso, vemos a equipe do estômago, do pulmão e outros órgãos em alerta, e dando o seu máximo para que tudo corra bem, sob o comando geral do cérebro.  

E, um parêntese, para quem pensa que Divertida-mente (2015) inventou a roda na animação ao rascunhar perfis fofinhos para sentimentos humanos básicos, vamos a 1812, na Alemanha, conhecer um lançamento literário dos Irmãos Grimm. Depois, vamos a 1937, conhecer a sua adaptação para o cinema nos dando sete figurinhas engraçadas em movimento, sob lindas cores e sons: Dunga (a inocência), Zangado (Raiva), Feliz (Alegria), Soneca (Tédio), Mestre (a liderança da Ansiedade com a Alegria), Dengoso (Vergonha) e Atchim (Medo/Nojinho).

A essência da graça de Divertida-mente 1 e 2 está aí, na combinação destes dois exemplos. 

Mas… e as crianças? Rirão no novo filme?

Ainda que não detenhamos conhecimento científicos sobre o comportamento e a capacidade cognitiva infantil na primeira e segunda infância (até os 6 anos de idade), arriscamos afirmar que Divertida-mente 2 não é um filme infantil. Ao menos não para essa faixa etária

Quer dizer que os pequenos espectadores não rirão das presepadas promovidas pelas emoções de Riley? Talvez, mas, se rirem, será pelo superlativo dos personagens antropomórficos em suas monotemáticas reações. A tristeza demasiadamente triste, a raiva superlativamente irada, a ansiedade cansativamente agitada, o tédio enervantemente chato, e por aí vai.

Todos eles se debatendo entre si para marcar seu ponto de importância na formação da personalidade de Riley. 

Por esse aspecto, é mesmo interessante e cômico (mas não para as crianças pequenas) de observar no roteiro de Meg LeFauve, Dave Holstein e Kelsey Man (este também assinando a direção)  as relações de negociação entre uma emoção e outra em sua luta por espaço.  

A velha turminha precisa resolver a maior confusão: Tristeza, Alegria, Nojiinho, Medo e Raiva.

No final, o recado óbvio: não apenas todas as emoções (mesmo o tédio e o sarcasmo), cada uma atuando no momento correto, assim como todas as memórias de experiências passadas, exitosas mas também frustradas, são necessárias  para que um humano em formação, e mesmo o humano já formado, adulto, consiga se sair razoavelmente bem das diversas enrascadas que a vida social lhe impõe.

Ao fim e ao cabo, Divertida-mente 2, como longa-metragem (96 min.) é um belo curta-metragem. Em outras palavras, o conflito das emoções-bichinhos-fofinhos e a síntese do parágrafo anterior poderiam ser lindamente resolvidas numa animação enxuta de até 20 minutos. A questão aqui é que um curta-metragem provavelmente não arrecada 730 milhões de dólares. 

Mas, vale dizer, é a baboseira fácil, cansada e presente nas dezenas de animações norte-americanas, tal qual a que está no miolo de Divertida-mente 2, que pode agradar os pequenos. Nos referimos às perseguições e correrias malucas das velhas emoções para voltar ao cérebro da Riley e reassumir seu posto roubado pelas novas emoções. Com todos passando por cenários ultra coloridos e encontrando outros personagens inusitados. 

Isto que pode ser cansativo aos adultos talvez divirta os pequenos. 

Já aquilo que pode soar genial aos adolescentes e adultos – a luta das emoções para adaptar uma nova humana a um novo mundo social que se lhe apresenta – pode soar confuso aos pequenos. 

E olha que nem mencionamos a velocidade alucinada das informações jogadas pelos diálogos para a plateia, e nem os flashbacks que vemos no filme. Um recurso narrativo de compreensão não automática para crianças pequenas.

Para os pais que querem descobrir como foi a relação de sua cria de até 6 anos de idade com a obra, seria o caso de, ao sair da sessão de Divertida-mente 2, não perguntar se ela gostou ou não gostou do filme, mas sim pedir para que ela reconte a história. 

Além de estar estimulando um ser crítico, talvez você também perceba que nada, ou pouco, do que há de nobre na essência desse roteiro engenhoso ficou na cabeça do seu pequeno. 

E não é que ele seja incapaz. Ele só estava num filme incoerente com a sua inicial maturidade. 

E o cinema, ah o cinema, possui historicamente dezenas de bons exemplos de filmes coerentes, em ritmo e em teor estimulante, para fazer crianças da primeira infância amadurecerem. 

Bom… isso é outro papo. 

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