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Críticas

Motel Destino

Thriller erótico multicolorido ao som de gemidos de prazer no escaldante calor do Ceará

Por Luiz Joaquim | 20.08.2024 (terça-feira)

Karim Aïnouz, personalidade cinematográfica do mundo, lança no Brasil, nesta quinta (22), seu mais recente rebento, que teve o privilégio de representar o Brasil no Festival de Cannes, edição 77 (2023).

Motel destino (Bra., Ale., Fra., RUnid.; 2024) foi rodada no Ceará, mais precisamente em Beberibe, litoral do Estado, e a produção é talvez o mais cearense longa-metragem do realizador após o seu Céu de Suely (2006) – título que o colocou no circuito do mundo junto ao inaugural Madame Satã (2002). Mas a energia aqui é outra.

Ainda que a ideia erótica por trás de um motel apareça também em Suely – ali no finalzinho do filme, na cena agridoce e melancólica da “noite no paraíso” – o tom em Motel destino é o do prazer desregrado e dos riscos deste prazer.

Autobatizado de ‘thriller erótico’, o roteiro coassinado por Aïnouz, Wislan Esmeraldo e Maurício Zacharias segue o jovem Heraldo (Iago Xavier), preto, pobre que foge de sua algoz após faltar um compromisso criminoso.

Na fuga, retorna ao Motel Destino, ali na beira da estrada de Beberibe, onde passou a noite anterior e é abrigado por Dayana (Nataly Rocha), esposa do proprietário Elias (Fábio Assunção). Uma vez ali, as tentações sexuais surgem e planos perigosos nascem em função do marido machista e violento.

A propósito, um ponto valioso a destacar é a figura construída por Assunção. A credibilidade que o ator dá à personalidade de Elias é tanta que se torna magnética sempre que está em cena. Seu personagem, desenhado no roteiro com o típico, instável e assustador humor dos violentos que não têm nada a perder, ganha na performance do ator um condimento maior, pelo seu timing afiado para os silêncios e as explosões. O que, fatalmente, deixa o espectador suspenso no devir que ele prepara para nos surpreender logo depois.

Assunção, sombreando a tudo e a todos na tela

Xavier, ao contrário, parece dever àquilo que requereria da performance a urgência de um sex appel incontornável, transformador para a maltratada Dayana.

Mas, talvez, o que esteja no horizonte da direção de Karin aqui seja exatamente exacerbar o lado frágil que há, ou precisará haver, no novo homem deste século. Entretanto, ainda que assim seja, os elementos não são excludentes. Podem coexistir.

A única coisa que impede que Heraldo seja ao mesmo tempo o homem cuidadoso com Dayane – que vemos no filme – e que seja também um volume humano que provoque a ebulição sexual de Dayane ou da plateia a qualquer momento em que surja na tela (o que não vemos no filme) é a performance de Xavier.

Os intermináveis e constantes gemidos dos clientes do motel que ouvimos juntos com os personagens nos bastidores do estabelecimento durante a primeira metade do filme até ajudam divertidamente a criar o clima, mas não são suficientes para encobrir a limitação do protagonista cearense.

Posto isto, num maluco exercício imaginativo, a curiosidade cresce ao pensar como seria termos Heraldo interpretado pelo atual talento de Assunção com a sua aparência 30 anos mais jovial.

Como seria a inversão dos atores?

Já Nataly Rocha faz de Dayane mais uma das infinitas vozes silenciosas contra o seu companheiro opressor. Isto com uma presença em cena que nos deixa o desejo de encontrá-la mais vezes no cinema brasileiro.

Em tempoMotel destino tem o mais incômodo (no mau sentido) crédito de encerramento, a partir dos nomes rolando para cima, em tela, que conseguimos nos lembra na história do cinema. Soa e apresenta-se como se tivesse sido criado no modo ‘anti-função de créditos de encerramento’.

A leitura das informações com os nomes subindo na tela são quase ilegíveis. A alta melodia eletrônica ao fundo (pobre, registre-se… e nada contra melodias eletrônicas) somadas às luzes multicoloridas alternadas segundo a segundo só reforçam o modo repelente do trabalho criado aqui nos créditos. Impressionante e muito curioso para entender a justificativa do conceito aqui trabalhado.

FUTURO – Em entrevista a jornalista Maria Fortuna, de o jornal O globo, Aïnouz comentou que prepara outros dois longas que formarão uma trilogia com Motel destino.

Em Lana Jaguaribe ele fará uma “espécie de versão feminina da tradição nordestina dos matadores de aluguel”. Teremos uma mercenária que vai atrás de vingar o seu trauma e o da sua irmã promovido por um homem.

Depois, em Trevo de quatro navalhas, monta uma gangue com personagens travestis que praticam assaltos e, com o dinheiro, fazem cirurgias trans. O ambiente principal é um posto de gasolina. Aqui reencontraremos personagens de Motel destino.

O mais próximo projeto a ser rodado (em setembro) é internacional. Chama Rosebushpruning e conta com Kristen Stewart, Elle Fanning e Josh O’Connor no elenco. Será uma versão atualizada para De punhos cerrados (1965), de Marco Bellocchio.

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