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Meu Casulo de Drywall

Um retrato estilizado e impreciso da juventude de classe média alta em São Paulo

Por Humberto Silva | 09.09.2024 (segunda-feira)

Entre os modismos aborrecedores contemporâneos para a crítica de cinema, o termo “spoiler” entra na conta, muitas vezes, como indigesto contrassenso. Óbvio, com ele interesses mercadológicos de publicidade. Um entre tantos para curiosidade do espectador: forjar expectativa por meio de suspense extra-fílmico.

Como para mim o que se denomina “spoiler” não é algo como reconhecer o amarelo num objeto de cor amarela, deixo nas entrelinhas para um hipotético leitor especular sobre a existência ou não de spoiler no que escrevo sobre Meu Casulo de Drywall.

Vamos lá. Dirigido por Caroline Fioratti, Meu Casulo… é um melodrama que exibe UM retrato pontual de UMA juventude de classe média alta de São Paulo. O foco da trama: a festa de aniversário da adolescente protagonista na cobertura do condomínio em que habita; na festa, UM acontecimento… e adolescentes festivos e respectivas famílias se veem…

Creio que, com estas linhas, para quem estiver razoavelmente familiarizado com o meio social de classe média alta, alertar para spoiler é como dizer que o amarelo que efetivamente vejo é, de fato, amarelo… Passo, então, para considerações que, entendo, sejam relevantes para a realização de Caroline Fioratti.

Trabalhando o imaginário adolescente, ‘Meu Casulo de Drywall’ apresenta poucas novidades sobre o tema.

Primeira. Como forma-mercadoria, o cinema envolve toda sorte de caminhos que decisões de divulgação e distribuição possam comportar. Com isso, o ruído que opõe o valor de um filme e o enfrentamento com o mercado. Entre tantos que chegam, mal são vistos e saem de cartaz, amanhã inúmeros serão só registrados em estatística nas planilhas de “nossa” produção anual publicada pela Ancine…

Meu Casulo… é um entre tantos com bom potencial para ficar na memória “afetiva” de amigos e familiares de Caroline. Depois de amanhã, no máximo algum desavisado se lembraria do “filme que trata de…”. Bem, essa uma realidade cruel para a jovem realizadora – como seus personagens na festa – Caroline Fioratti. Com minha experiência, essa uma constatação; não obstante, torço, pois não, para me enganar.

Segunda. O tema – o retrato pontual de uma juventude – é batido. Há pelo menos setenta anos Hollywood pôs em cena nos mais variados contextos e situações a juventude como protagonista. Assim, Meu Casulo… não passa de mais do mesmo. Óbvio, sabemos bem, o figurino de Juventude Transviada (1955), de Nicholas Ray, difere do de uma fita de 2024…

E, justamente, nessa mutação de figurinos, o que uma juventude pontual de classe média alta de São Paulo pode trazer de novo… Com óbvios múltiplos sentidos em “de novo”. De novo como atual; de novo como repetição, o novamente; de novo como novidade para quem só desconfia como é a vida de jovens em condomínios de alto padrão…

O retrato, concebido como cópia mais ou menos esmaecida da realidade, contém subliminarmente não desejados elementos documentais, ou de crônica tipo a vida como ela é. A ficção retratada é perturbadoramente real. Caroline, creio, intencionalmente joga xadrez num filme que me remete à “dança da morte” nas alegorias medievais.

Em ‘Meu Casulo de Drywall’, a diretora Caroline Fioratti cria personagens superficiais, mas com emoções intensamente expostas.

Terceiro. Meu Casulo… é impreciso, indefinido, sem encaixe na conformação dos personagens que entram e saem de cena. No ambiente social retratado a protagonista, os “amigos”, as “amigas”, “ficantes” são adolescentes, os pais são adultos e funcionários que os servem são… funcionários. Nada além disso: todos são planos como uma mesa de bilhar.

Ocorre que, paradoxalmente, o esmaecimento na conformação dos personagens é exibido em cores vibrantes, intensas, com enorme poder de definição. Caroline privilegia enquadramentos bem fechados no rosto deles com iluminação que elimina qualquer espaço sombreado na tela: vê-se perfeitamente a maquiagem borrada pelo choro… Ou seja, o estado emocional dos personagens não deve escapar ao olhar do mais desatento espectador.

A se notar, acho isso importante, a trama, como conduzida por Caroline, parece se “perder” no desenvolvimento da narrativa. Ou, melhor: em algum momento fica a sensação de não se saber ao certo – com os personagens assim como com o desfecho – o que ela quereria mostrar. No entanto, bem entendido, questões relativas à disfunção familiar e a sentimento de culpa estão presentes da primeira à ultima sequência de Meu Casulo…

Quarto. Meu Casulo…, infelizmente, talvez seja esquecido, talvez não tenha o público que mereceria… Mas, destaco dois aspectos que valem atenção: o alerta para a falta de perspectivas de uma juventude localizada e incomodada por que a vida corre sem maiores riscos – uma juventude que desconhece frustrações, mas protegida por frágil parede de drywall; outro aspecto: Meu Casulo… é um filme que se prestaria, como poucos no “cinema brasileiro” atual, a uma discussão aprofundada nos campos da pedagogia e da psicologia adolescente.

Esse segundo aspecto, contudo, sendo um tanto pessimista, temo se confinaria a discussões correntes sobre conselhos para aos pais com “boas intenções”: “o certo é agir assim e assado…”, como frequentemente aconselham “especialistas” de plantão; esse o grande nó no filme e para o seguimento social retratado, pois, assim compreendo, o fundo do fosso e bem fundo. 

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