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Festivais

48ª Mostra SP (2024) – A história da Mubi

“Que ninguém esteja me gravando, mas lugar de ver filmes é no cinema”, diz CEO da MUBI

Por Luiz Joaquim | 28.10.2024 (segunda-feira)

Manhã da quinta (24) na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em frente a sala Grande Othelo, da Cinemateca Brasileira, um bom volume de gente atuante no mercado cinematográfico brasileiro aguardava a abertura do 4º Encontro de Ideias Audiovisuais – braço da Mostra para ações relativas à produção e difusão comercial do segmento.

Todos estavam ali para ouvir o turco Efe Carakel, 48 anos, CEO criador da Mubi. Plataforma que, há alguns anos, vem chacoalhando as estruturas do mercado de streaming, principalmente no Brasil (seu maior mercado mundial), tendo também iniciado novos passos na aquisição de títulos para distribuição internacional em salas de cinema.

Sorridente e despojado em sua apresentação, Efe, soava mais como um cinéfilo (o que ele realmente é) do que como empresário internacional. “Vou tentar resumir em 20 minutos 17 anos de história”, começou. Antes, Renata Almeida, diretora da Mostra de SP, havia aberto a apresentando do trabalho prévio de Efe como figura vinculada à tecnologia.

Efe concluiu graduação de Ciência da Computação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA, e seguiu na pós-graduação em Stanford, na California. Em função do amor pelo cinema, chegou a fazer um filme “que vocês nunca verão”, comentou sorrindo. “Eu sabia que o filme tinha ficado muito ruim, e, uma das minhas filosofias na vida era ‘eu descobri que se você faz mal alguma coisa, então não volte a fazer’. Mas eu também sabia que o que cinema era o que me interessava, então, como trabalhar com isso?”.

Efe Carake: cinefilia e visão para negócios, uma combinação poderosa.

O clique surgiu no Japão, quando estava em Tóquio a trabalho pelo mercado financeiro. “Estava no café pensando em Amor à flor da pele, do Wong -Kar-Wai. Queria rever o filme e não havia onde conseguir isso. Não exibia em nenhuma sala de cinema, não havia locadoras, não estava disponível nos streamings da época. Foi quando pensei em criar um novo espaço para filmes que gostaria de ver”, relembrou.

Efe destacou que em plataformas como a Netflix, 80% dos assinantes consomem massivamente séries e, ao contrário da Mubi (cuja curadoria é totalmente ‘feita à mão’), há uma lógica pautada pelo algoritmo. “Não disponibilizamos na Mubi nenhum filme que eu não enxergue qualidade”.

Um dos momentos chave nessa trajetória diz respeito ao instante que precisou tratar dos direitos de exibição mundial de Parasita, de Bong Joon-Ho, pela sua plataforma. “Tive de negociar com 50 pessoas diferentes. E eu não estou exagerando nesse número. O negócio da distribuição internacional é muito fragmentado. Para cada país, uma empresa com os direitos”.

Foi quando Efe entendeu que ele próprio precisaria estar também atuando nesse mercado. Até que, em 2022, a Mubi passou a integrar a produtora e distribuidora alemã The Match Factory, uma das cinco maiores no mundo, dedicada a filmes independentes.

Outro ponto de virada na história da Mubi se deu quando ele teve a oportunidade de ver A substância, de Coraline Fargeat, ainda numa cabine, no Reino Unido, antes de sua première em Londres. “Minha cabeça ‘explodiu’ ali nos últimos 30 minutos do filme e pensei: ‘Não sei como esse será no mercado, mas sei que meus assinantes irão amá-lo’. Daí comecei na tarde de um domingo a negociação para fazermos sua distribuição e só parei 36 horas depois na noite da segunda-feira quando consegui o sim”.

“A Substância”, aclamado por público e crítica, estará disponível para streaming exclusivamente na Mubi a partir de 31 de outubro.

Em Cannes, Efe estava preocupado com a recepção do público e crítica, era tudo imprevisível, mas ao final da sessão da première, com os aplausos efusivos e as críticas elogiosas, ele teve certeza que a sua intuição estava certa.

“E o que vem na sequência?”, jogou, Efe, a pergunta para ele mesmo responder: “Lembro de quando vi Zona de interesse [do Jonathan Glazer] e pensei como aquele filme era incrível para a Mubi. Pensei também que para garantir os títulos futuros do Glazer e de outros talentos como o dele, nós precisávamos também estar envolvidos na produção dos filmes”.

Não se surpreenda o leitor, portanto, quando vir no próximo filme de Karim Aïnouz (Rosebush pruning), ou o novo Jim Jarmusch com Cate Blanchett, a logomarca da Mubi estampada no título de produção.

Ainda nos planos de Efe está um movimento já iniciado pelos gigantes Netflix e Amazon Prime Video: abrir suas próprias salas de cinema para lançar suas novidades como achar melhor e mantendo-as em cartaz pelo tempo que bem entender. “Que ninguém esteja gravando o que vou dizer, mas lugar de filme é na sala de cinema”, comentou sorrindo e sincero, em sua assertiva cinéfila.

Ao final da fala do executivo, quando foram abertas as perguntas para a plateia, uma delas gerou uma resposta divertida. Curiosa, na verdade, como anunciou Efe. Alguém pediu para o empresário explicar o sentido da palavra Mubi.

“Essa é uma boa história. Eu sabia que a palavra precisava ser pequena e pronunciável em qualquer lugar do mundo. Talvez com quatro letras. E especialistas dizem que o inteligente a fazer é alternar consoante, vogal, consoante, vogal. Algo como Nike, Coke”.

“Eu conhecia ótimo profissionais de comunicação no Japão e deixei com eles esta missão. Certo dia eu estava em Londres e recebi uma ligação da equipe e eles disseram: ‘acho que temos o nome’. Pensei: ‘Então, me diga logo qual é?’, e ouvi do outro lado: ‘Não, você precisa vir aqui para ver”.

Quatro letras que conquistaram os cinéfilos, especialmente no Brasil, o maior mercado da Mubi no mundo.

Efe não pensou duas vezes. Voou logo para o Japão e assim que entrou no colossal lobby de um arranha-céu que era o endereço da empresa, viu projetado um enorme nome – MUBI – na parede. “Achei ótimo e pensei: ‘Será que esse é o nome. Sim, acho que pode ser!’.”

Uma vez aprovado, Efe foi orientado a comprar imediatamente o domínio público do nome para trabalhá-lo na internet. Para a sua surpresa, o nome já possuía um dono. Era o dono de uma pequena loja de reparo para eletrônicos num pequeno país asiático. Efe voou para lá e tentou convencer o dono que precisava comprar apenas o seu domínio na Internet, mas ele não conseguia entender.

Irredutível, o dono disse que não podia se desfazer do site pois ele era muito conhecido na vizinhança e era por ele que os clientes agendavam os consertos de seus equipamentos. Efe não tinha outra saída senão comprar a loja do técnico. O fez por US$ 400 mil, garantiu o endereço www.mubi.com e devolveu a loja para o dono original. “Mas como assim, eu ganho US$ 400 mil e ainda fico com a minha loja?”, perguntou incrédulo o técnico.

Outro dado curioso sobre o mercado brasileiro, é que o Brasil, além de possuir o maior número de assinantes da Mubi, possui também o mais jovem – entre 21 e 25 anos – do mundo. “Está acontecendo algo extraordinário neste país. Há uma população de jovens cinéfilos que deverão, no futuro, fazer a diferença no cinema brasileiro”, concluiu sob aplausos.

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