X

0 Comentários

Críticas

Até Que a Música Pare

O estilo contemplativo e lento marca o novo filme de Cristiane Oliveira

Por Humberto Silva | 06.10.2024 (domingo)

Conheci Cristiane Oliveira na 40ª Mostra de Cinema de São Paulo. Na ocasião, fiz parte do júri Abraccine que premiou seu A Mulher do Pai como melhor filme brasileiro de diretor estreante. Dela retive na memória o nome. Aguardei o que viria em seguida.

Circunstâncias diversas e não vi A Primeira Morte de Joana (2023), seu segundo longa. Chega-me, agora, Até Que a Música Pare, sua terceira fita que entra em circulação. Nesse meio tempo, resenhei livro organizado pela Accirs (50 Olhares da crítica sobre o cinema gaúcho), que destaca A Mulher do Pai entre as obras da entidade que sensibilizaram os críticos.

Até Que a Música Pare segue, o que me parece na relação com A Mulher do Pai, motivação cara aos propósitos de realização de Cristiane: filmar espaços afastados do burburinho urbano, com personagens, em seus conflitos locais, inseridos num cotidiano próprio a um ritmo de vida moroso.

Ecos do cinema de Chantal Akerman e Lucrecia Martel colocam ‘Até Que a Música Pare’ na tradição do “slow cinema’

A lentidão da vida se reflete na condução da trama, que assim se conforma às escolhas formais: câmara praticamente fixa, tomadas de longa duração em espaços da casa ou da paisagem, exploração de tempos mortos, enquadramentos em rostos absortos, retenção em mobílias, figurinos e assessórios alusivos, diálogos simultaneamente vagos e sugestivos.

A primeira sensação que me vem é a de Cristiane ter aderido ao que se convencionou chamar Slow Cinema; ou seja, uma proposta de condução da narrativa marcadamente lenta, desdramatizada, em que “nada” acontece. Poderia conjecturar deferentes referências para suas escolhas formais em Até Que a Música Pare. Mas o acento que Cristiane dá ao cotidiano me traz à lembrança Chantal Akerman, notadamente Jeanne Dielman (1975); já quanto à atmosfera nebulosa, tenho em mente Lucrécia Martel…

O quanto Cristiane é bem sucedida em suas escolhas formais não entro no mérito com respeito a aspectos pontuais. Em sentido amplo, por outro lado, são escolhas que no mais das vezes caem em maneirismos. Esse um risco que creio inescapável. Com isso, o espectador se ater a floreios formais e perder de vista a urdidura do enredo.

De modo que cabe asserir: em Até Que a Música Pare – e eu já notara em A Mulher do Pai – há peculiaridades que exigem do espectador um olhar atento para um matiz singular em nossa cinematografia: a exibição de um meio – uma realidade com seus conflitos e tensões – pouco visível para quem está do lado de fora.

A morosidade do cotidiano e o drama que se desenrola em fogo brando encontram um senso de contemplação nas paisagens da Serra Gaúcha.

Cristiane parece imbuída do desejo de dar visibilidade a um mundo com humores próprios, com em sentido de expectativa e ritmo de vida que escapam ao que, de alguma maneira, é visibilizado pela aldeia global em um país de dimensão continental.

O grande óbice que realço em Até Que a Música Pare? O ensimesmamento. Bem, acho convém lançar uma palavra da moda: a bolha. Até Que a Música Pare – e isso para mim vale igualmente para A Mulher do Pai – é uma fita que, desconfio, pode pouco comunicar em seus propósitos mais perquiridores. Além da bolha em que se insere, para mim será surpreendente se Até Que a Música Para – para o caso de ser visto – escapar à pecha de enfadonho, chato, desinteressante, presunçoso etc.

Suma provisória: Cristiane Oliveira filma para poucos; e creio a dimensão ter, ela, dessa opção de inserção numa bolha cinematográfica.

Mais Recentes

Publicidade