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Críticas

Coringa: Delírio a dois

Piada mal cantada em curta-metragem com 2h18min. de duração

Por Luiz Joaquim | 03.10.2024 (quinta-feira)

  1. Festival de Cinema de Gramado. Numa sessão especial, tarde da noite e fora de competição, nascia a primeira exibição de A paixão de Jacobina, protagonizado por Letícia Spiller sob direção de Fábio Barreto. Spiller assumia ali a personagem do título, um ícone religioso do século 18 no sul do Brasil. 

A certa altura do filme, depois de acompanharmos Spiller andando catatônica para todos os lados com uma peruca absolutamente esquisita, um pastor interpretado por Antônio Caloni pergunta depois de uma pausa silenciosa: “Que cabelo é esse Jacobina ??!!!”. Era a pergunta que todos queriam fazer na plateia, provocando risos involuntários para o que deveria ser um drama. (Leia mais aqui).

  1. Outubro, dia 3. Hoje a Warner Bros pare no Brasil Coringa: Delírio a dois (Joker: Folie à Deux, EUA, 2024) após passagem insossa pelo Festival de Veneza no início de setembro. Trata-se de uma sequência para o sucesso absoluto e coerente do filme de 2019, Coringa.Delírio a dois é uma sequência não necessária, mas estrategicamente compreensível do ponto de vista financeiro se colocamos na conta os 1,078 ‘B’ilhões de dólares arrecadados para a Warner, feitos por aquele filme que custou “apenas” 55 milhões da mesma moeda. 

Mas e o que o filme de Fábio Barreto tem a ver com o novo trabalho de Todd Phillips? Bem… numa sequência-chave desse musical que é Delírio a dois, Arthur Flerk/Coringa (mais uma vez defendido brilhantemente por Joaquin Phoenix) pede a sua amada Lee (Lady Gaga): “Para de cantar!”, enquanto ele segue cantando. Flerk insiste: “Eu só quero conversar, pare de cantar!”. Mas o coitado não consegue interromper a moça. 

É aí que acontece a interseção entre Jacobina e Delírio a dois: na piada pronta dentro do próprio filme. Assim como o pastor feito por Caloni, o Arthur de Phoenix fala em claro e bom som o que a plateia gostaria de gritar para o filme ouvir.

“Pare de cantar!”

Há um filme interessante em Delírio a dois, sobre um pobre coitado de vida miserável e problemas psicológicos. Mas é um filme que está soterrado, tentando respirar, sob o tanto de areia que invade nossos olhos e ouvidos a cada início dos vários números musicais cantados e coreografados por Arthur e Lee. 

Não que Phoenix e Gaga não estejam dando conta, e muito bem, do que lhes é pedido. Interpretando clássicos universais da boa música mundial como, por exemplo, Bewitched, bothered and bewildered e Ne me quitte pas. O problema é conjuntural, não pontual, dos atores. Isto fica claro pelo que temos nos espaços entre um número musical e outro. 

Nestes espaços, Todd, Phoenix, Lee e toda a equipe criativa de Delírio a dois conseguem estabelecer rapidamente micro tensões em nível de boa qualidade, mas que se dissolvem na sequência musical que o sucede. E assim o filme segue, nessa gangorra entre estimular nossa atenção absoluta pelo encantamento de uma boa narrativa pautada pelos limites físicos e psíquicos de Arthur para, depois, dar um tapa na nossa cara exigindo que fiquemos “molinhos” pelos temas musicais cantados. 

Não funcionou. 

A propósito, seria bem didático vermos uma versão de Delírio a dois em que todas as sequências musicais fossem extirpadas (assim como o prelúdio em forma de animação). Talvez sobrasse um filme memorável.

Uma das boas sequências do filme, que é sufocada pelas cantorias

O que é uma pena, porque o sumo que fica, do filme real que está sendo posto no mercado, provoca a sensação de que Arthur Flek foi espremido até o limite para dar mais lucro para a Warner.

É como se estivessem se aproveitando da já icônica sequência da dança na escadaria do Coringa (2019) para esticá-la como um filme de 2h20min. Há fãs que queiram isso? Certamente. Mas… que desperdício

Desperdício principalmente de bons atores.

ENREDO – Nas primeiras imagens live-action de Delírio a dois, por exemplo, vemos Arthur Flek saindo de sua cela na ala de segurança máxima de um presídio. O que temos é Arthur Flek na pele de um Joaquim Phoenix cadavérico, ossudo e sepulcralmente silencioso. É tenebroso em seu mistério, em sua confusão mental transmitida apenas pelo olhar do ator.

A cronologia aqui é a de algum tempo depois do ocorrido que vemos em Coringa (2019). No novo filme, Arthur passa por um julgamento como consequência dos cinco assassinatos que cometeu – incluindo o de Murray Franklin (Robert De Niro) numa transmissão de tevê em cadeia nacional. Se condenado, Arthur irá sentar na cadeira elétrica. 

O espetáculo agora não é numa transmissão pela tevê (e é também), mas o palco principal é um tribunal

Delírio a dois é a história desse processo, com direito a sequências de tribunal e do encontro e arrebatamento entre Arthur e Lee (Gaga). Ela é uma das milhares de fãs que o Coringa involuntariamente arregimentou para uma causa que não criou a partir do assassinato cometido ao vivo na tevê.

O amor do coitado do Arthur por ela é sincero, mas o de Lee pela causa “revolucionária” é maior. Está dado o conflito regado a melodias românticas.

Faltou apenas o Batman chegar para pôr fim na cantoria açucarada.

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