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Festivais

Festival do Rio (2024) – The Outrun

The Outrun e a intensidade de Saoirse Ronan

Por Ivonete Pinto | 07.10.2024 (segunda-feira)

LEEDS (ING.) – Com exibição programada para o Festival do Rio daqui a pouco (às 19h30 de hoje, 7/10, no Odeon) e tendo sido lançado no Festival de Berlim, The Outrun ainda não tem data de estreia comercial no Brasil. Com certeza estará disponível, pois o trabalho de Saiorse Ronan é extraordinário e uma aposta quase certa para o Oscar. Além do mais, a atriz que fez sua estreia em Desejo e reparação e foi indicada ao Oscar com 14 anos por ele,  tem um séquito de fãs principalmente desde Lady bird e Adoráveis mulheres, de Greta Gerwig. Trata-se de uma atriz que magnetiza o espaço da tela, mesmo que enquadrada à distância. Não constrói personagens fazendo caretas, mal percebemos que está atuando.  The Outrun, dirigido pela alemã Nora Fingscheidt, é feito para ela, não à toa, Saoirse Ronan é uma das produtoras, junto com o marido, o ator Jack Lowden. Nascida em Nova Ioque, é irlandesa e seu nome é pronunciado  mais ou menos como “Sôrcha Rônan”.

“Sôrcha” faz Rona, uma jovem desestabilizada, que precisa beber e quanto mais bebe, mais afasta-se das pessoas. De adorável, vira pessoa desagradável rapidinho. Bêbados costumam render no cinema. Um dos filmes mais lembrados talvez seja, Despedida em Las Vegas e, mais recentemente, o dinamarquês Druk também merece respeito. No Brasil, O Ébrio é um clássico. Só que The Outrun, baseado no livro de memórias de Amy Liptrot (que assina o roteiro com a diretora e com Daisy Lewis), tem uma moldura documental que o deixa distante de outros, não só pela origem biográfica. Há uma câmera nervosa que acompanha o estado mental de Rona e há personagens “reais” que interpretam a si mesmos. A própria Saoirse Ronan ganha liberdade para improvisar à vontade, levando o espectador para seu labirinto mental. As imagens são acompanhadas algumas vezes por representações animadas em 2D, que mesmo assim não tiram  o filme do espectro documental, especialmente na metade em diante, quando a personagem Rona, numa tentativa de curar-se ─ ou dar um tempo na dependência suicida do álcool ─ isola-se em uma ilha da Escócia.

A narrativa é nada linear, mas acompanhamos a temporada pelas estações. O inverno é brutal, dói na pele, parece inclusive que não há outra estação por lá.

Rona é escocesa, entretanto, foi impactante  o tempo que passou morando em Londres, na Inglaterra, onde tudo é abundante: as festas, os amigos e o namorado que a abandona em função das situações incontroláveis provocadas pelas bad trip do álcool. Ela volta para o vilarejo em uma das Ilhas Órcades, ao Norte da Escócia, a mãe tenta ajudar, porém é impraticável. Rona tem uma inadequação tal que em dado momento diz: “não consigo ser feliz sóbria”. Frequenta grupos de ajuda, todos com histórias dramáticas. Mas o caso é mais complexo: tem algo de hereditário, já que seu pai também é alcóolatra.

Alcoolismo: “não consigo ser feliz sóbria”

Natureza selvagem – Agora, passemos à questão que torna The Outrun tão singular. A relação com a natureza provoca um diálogo poético-filosófico-visual com Rona.  Já na primeira imagem temos o mar e o olhar penetrante de uma foca. Uma lenda local  fala que esses mamíferos possuem a alma de humanos que se afogaram. Lembra a lenda do  boto-cor-de-rosa no Norte brasileiro. Apenas que as focas não engravidam humanas, como na nossa lenda. Elas se comunicam com Rona de maneira  “científica”.  Entre uma bebedeira e outra, ela fez mestrado em biologia de modo que o filme é bastante mediado por informações sobre os organismos vivos. Este elemento, a biologia, certamente é determinante para a essência do filme, deixando a questão do alcoolismo em segundo plano, na verdade  funcionando como metáfora até para o desequilíbrio da personagem e sua cura através da natureza.

A natureza como um balanço para o equilíbrio

Quem leu The Outrun, de Amy Liptrot, diz que há umas recriações aqui e ali, mas é do jogo das adaptações. O fato é que o roteiro optou claramente por dar importância à natureza, sobretudo o mar. O potencial cinematográfico do mar é filmado com toda dramaticidade que o Mar do Norte propicia. Ondas violentas quebram em rochas gigantescas. E Rona sabe que precisa contar cada dia que está sóbria, mesmo nesse fim de mundo. A autora do livro, Liptrop, está sóbria há 13 anos. Torcemos por ela, que nos deu este presente sobre os tormentos da alma humana. The Outrun, o filme,  está para o cinema como O jogador, de Dostoievski, para a literatura. Não explica nada, não se arvora de autoajuda, contudo permite que criemos empatia por quem tanto sofre. Saoirse Ronan, com sua criação visceral, é autora do filme como a autora da história e as roteiristas. Imperdível.

Serviço:

Sessões THE OUTRUN no Festival do Rio 2024

7/10 – 19h30 – Cine Odeon

10/10 – 16h15 – CineSystem Botafogo 5

12/10 – 21h15 – Kinoplex São Luiz 4 Botafogo

 

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