Super/Man: A História de Christopher Reeve
Devastador relato de um homem perseverante como só heróis conseguem ser
Por Luiz Joaquim | 12.10.2024 (sábado)
E você aí pensando que a mais interessante estreia de outubro de 2024 nos cinemas seria Coringa: Delírio a dois. Que equívoco, heim! Bom, nesta quinta (17), algo muito mais envolvente e comovente – e que também tem o universo dos super-heróis da DC Comics no DNA – está estreando no Brasil. Estamos falando de Super/Man: A história de Christopher Reeve (EUA/GB, 2024): um documentário de Ian Bonhôte e Peter Ettedgui.
Mas como? Um documentário? Sim, sobre a ascensão do ator Christopher Reeve ao dar corpo, no cinema, ao primeiro Super-Homem crível. Que fez com que todos acreditassem que o homem podia voar. Aquele que estreou em 1978 sob direção de Richard Donner.
O documentário é também, claro, sobre a luta de Reeve para encontrar uma solução para a sua condição de tetraplégico a partir de 1995, quando caiu do cavalo com seus 92 quilos sobre sua própria cabeça, quebrando o pescoço e fraturando a primeira e a segunda vértebra. O filme é, ainda, sobre a luta de Reeve pelos direitos civis das Pessoas com Deficiência e pela busca da cura contra o que ele viveu até 2004, falecendo aos 52 anos por insuficiência cardíaca.
Mas esse “…o filme é sobre”… é muito pouco para dar conta de Super/Man, porque o documentário passeia com tranquilidade, nos levando junto, para um tanto de questões do humano, e do que há de heroico nisso, a partir da trajetória de vida de Reeve. São tantos vértices apontando para tantos lados (e todos bem resolvidos na narrativa) que fica difícil colocar Super/Man numa caixinha de efeitos previsíveis sobre as emoções do espectador, uma vez que tais efeitos são os mais diversos imagináveis.
Para começo de conversa, a própria definição de “herói” é colocada sob duas óticas pelo protagonista. Uma era a que Reeves dava nas entrevistas à época do lançamento de Superman: O Filme, quando dizia algo como “um herói é alguém que realiza algo corajoso sem levar em conta as consequências”. Após sua trajetória com a tetraplegia, sua ideia de herói estava colada “naquele indivíduo ordinário, comum, que encontra força para perseverar e superar-se apesar de obstáculos gigantescos”.
O que melhor se pode dizer aqui é que Super/Man se sai exitoso nos dois caminhos que trilha para nos apresentar essa cinebiografia. Seja pelo caminho que atende aos fãs de Reeve/Superman, alimentando-os sobre curiosidades dos bastidores do filme de 1978 e de suas três sequências, entre outros papéis interpretados por Reeve; como no caminho que nos desvela a intimidade, a angústia e a perseverança do ator após o acidente.
Os dois contextos, o ‘antes’ e o ‘depois’, correm em tempos paralelos dentro do filme, numa montagem alternada, de modo que sabemos da vida de Reeve desde as primeiras memórias com os pais se separando belicamente quando o protagonista ainda tinha 3 anos de idade ou quando descobrimos, ainda, os traumas do ator por conta do pai castrador. Tudo sendo colocado em contraste pela saudável relação que Reeve viria a ter com seus filhos no futuro.
Sabemos dos esforços e prazeres de sua formação como ator no teatro até chegar ao estrelato como O Homem de Aço, venerado no mundo inteiro, época (1978) em que conheceu aquela que seria sua primeira esposa, Gae Exton, e mãe de seus dois primeiros filhos, Matthew e Alexandra, ao mesmo tempo em que conhecemos Dana Reeve já como companheira do ator, à época da tragédia, em 1995.
É igualmente forte e comovente conhecer Dana e o seu papel definidor para a sobrevivência de Reeve nos últimos dez anos de sua vida. Como disse o próprio ator, ela salvou a sua vida quando, já consciente e pensando em eutanásia, escutou dela: “você continua sendo você e eu te amo”.
Por meio de vasto material de arquivo, principalmente de vídeos caseiros, ora vemos, ora escutamos Reeve descrevendo sua nova condição e aquilo que mais o atormentava naquele contexto. Vindo de um homem que praticava hipismo, esquiava, pilotava avião e velejava, entre outros atividades, perder funções básicas de mobilidade o assombrou, inicialmente, conforme diz, “como assombra alguém numa prisão perpétua sem horizonte de libertação” e “condenando” também aqueles que amava.
A força e o drama desses sentimentos ganham extrema consistência pela voz do ator por expressar essas angústias com uma clareza e propriedade desconcertantes. A sua consciência de que não poderá mais brincar com o filho que teve com Dana – Will (com três anos à época do acidente) – ou abraçar sua esposa por algo inadmissível que lhe aconteceu – “Por que comigo?” – tudo, enfim, só deixava mais robusto e colossal o pesadelo que vivenciou nos primeiros meses após a tragédia.
Para além do aspecto do sofrimento pela tetraplegia, Super/Man abarca lindamente o senso de ‘família’, muito caro a Reeve durante seus últimos anos. A proximidade com os três filhos dos dois casamentos e a devoção de Dana deixaram claro na cabeça do ator que aquilo que realmente o define (ou a qualquer pessoa) não são seus grandes feitos, mas a qualidade das relações que mantemos com as outras pessoas.
Estas passaram a ser convicções que Reeve compartilhou com o mundo, dizendo algo simples para uma multidão que lhe ouvia, em sua cadeira de rodas, num evento político: “Se entendermos que somos uma única família, a empatia fará o resto e seremos menos desiguais”. Para o ator “a família estava no centro de tudo e, se ela está inteira, o mesmo ocorria com o seu universo”.
Pela fama como ator, Reeves tornou visíveis os invisíveis tetraplégicos de todo o mundo e, por meio de sua Fundação Christopher Reeve (depois, Fundação Christopher & Dana Reeve), acelerou as pesquisas científicas a respeito da recuperação dos movimentos de tetraplégicos.
Na visão do diretor Richard Donner – que tanto o ajudou durante Superman: O Filme – Reeve não veio ao mundo por acaso, e não estava por aqui apenas para ser um ator. Tornou-se um herói de verdade.
Super/Man: A história de Christopher Reeve parece não permitir dúvida sobre isso, podendo deixar o peito do espectador doendo de tanta emoção que irá testemunhar neste documentário tão bem orquestrado por Bonhôte e Ettedgui.
Uma dupla que, impiedosamente, nos faz pensar que nada abalaria mais que a morte do ator para a família Reeve para, nos minutos finais do filme, nos jogar uma nova pedrada na cara; mas sem pieguice e com a dignidade (e também elegância) que o assunto merece.
Por fim, para o leitor que chegou até aqui, aquela dica: Ao ir para o cinema, levar uma caixa de kleenex completa. Ela poderá te ajudar durante a sessão de Super/Man: A história de Christopher Reeve.
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