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Críticas

Superman – O Filme

Um filme que voa alto

Por Renato Felix | 04.10.2024 (sexta-feira)

O Super-Homem já havia salvado Lois Lane de cair do alto do prédio do Planeta Diário (e um helicóptero também), impedido um assaltante que escalava um prédio, capturado uma gangue de assaltantes em um barco e ajudado um avião cuja turbina explodiu quando percebe mais um problema ao qual dedica igual atenção: a menininha que chama seu gatinho, que está preso no alto de uma árvore. É uma cena que resume bem o que é Superman – O Filme (1978), clássico que ganhou uma semana de reexibição nos cinemas.

O herói salvar um gatinho na árvore já era um clichê. O filme coloca a cena consciente disso. O que isso diz? Que Superman – O Filme entende e até acha engraçado o bom mocismo do herói, essa postura certinha e até antiquada, mas que o personagem não se importa com isso. Ele salva o bichano, entrega para a menina, é simpático com ela, se despede e volta ao voo. Em nenhum momento é ridicularizado.

Em Superman – O Filme (1978), Richard Donner faz um filme que transita entre a inocência e a malícia.

Esse é o espírito do filme, um equilíbrio difícil de alcançar. Colocar o Super-Homem como um contraste ao mundo real, de violência urbana e corrupção política. Sem ignorar que esses problemas existem, mesmo que não sejam a pauta principal do filme e que o desafio do herói seja pura fantasia: um supervilão que planeja afundar a Califórnia depois de provocar um terremoto com a detonação de um míssil.

O Homem de Aço diz a Lois Lane que está aqui para “defender a verdade, a justiça e o modo de vida americano” e ouve de volta: “Então você vai ter que enfrentar muitas autoridades”. É essa mistura de inocência e malícia a química que só Superman – O Filme atingiu, até na comparação com outros filmes do personagem.

Porque se há o diálogo após o salvamento de Lois em que o Super-Homem tenta acalmá-la dizendo que espera que aquilo não a deixe com medo de voar porque “estatisticamente ainda é o meio mais seguro de viajar”, há também toda a cena da entrevista onde a tensão sexual corre solta com frases safadinhas como “Não tenho namorada, mas, se eu tivesse, você seria a primeira a saber” e, para testar a visão de raio-x do herói, “Qual a cor da minha calcinha?”. Mas depois ele a leva para um voo pelos céus de Metrópolis como uma rapaz levando a namorada para um passeio em seu carro novo.

Isso tudo é resultado de uma disposição do diretor Richard Donner em não fazer do filme uma paródia do personagem, como havia sido a (ótima em sua proposta) série do Batman de 1966. Foi o primeiro filme de grande orçamento baseado em uma história em quadrinhos e Donner quis que ele fosse “para valer”, dosando inclusive a comédia, que seria acentuada nas continuações (a cargo de Richard Lester). E apostando na combinação de todos os efeitos especiais disponíveis (assinados por John Barry) para passar veracidade: maquetes, projeções de fundo, fundos pintados, cabos, etc. 

Em Superman – O Filme (1978), a verossimilhança era a chave: fazer o homem voar parecia real.

A ação do tempo é implacável nesse quesito e diversos desses efeitos são evidentes hoje, mas muita coisa continua sensacional, como diversas cenas de voo. Os últimos filmes do Super-Homem o mostram voando como um borrão no céu (como se estivesse sendo filmado por um celular). Em Superman – O Filme, o público voa junto com o herói. 

Há um plano espetacular em que o Super-Homem entra voando no quadro, sobre um fundo escuro. Logo surge, na parte de cima, o topo dos arranha-céus – de cabeça para baixo. Então, entendemos que o herói é que está voando de cabeça para baixo. Então, a câmera gira ao mesmo tempo em que o fundo também gira para que tudo fique na posição correta.

Um trabalho belíssimo, como também é a sequência em que o Super-Homem se despede de Lois na sacada e, num plano sequência, ela entra no apartamento e abre a porta para… Clark Kent! Como isso foi possível? Resposta: o Super-Homem se despedindo e voando era uma projeção de fundo. A cena ainda segue com aquele momento muito compartilhado em redes sociais no qual Christopher Reeve tira os óculos e muda a postura, se “transformando” no Super-Homem e depois de novo em Clark Kent diante dos nossos olhos.

Outro plano sequência estupendo da fotografia de Geoffrey Unsworth ocorre na redação do Planeta Diário, em que Clark e Lois atravessam o local no fim do expediente e a cena passa pelo diálogo na porta do vestiário feminino e vai terminar lá no corredor dos elevadores. O público nem percebe, mas isso mostra a disposição de fazer, nesse filme, grande cinema.

Buscando seriedade como projeto, Superman – O Filme (1978) não abandona a fantasia. Christopher Reeve forma um ótimo par com nomes consagrados como Gene Hackman e Marlon Brando.

Grandes atores, como Marlon Brando (como o mítico Jor-El, pai kryptnoniano do herói) e Gene Hackman (Lex Luthor, construido como um típico vilão megalomaníaco de James Bond da época), entre vários outros, atestavam a seriedade do projeto. Mas é incrível como Christopher Reeve não é ofuscado por esses monstros sagrados. Sua simbiose com o personagem é admirável. É o Super-Homem em pessoa aparecendo na tela do cinema, a cada voo, close e diálogo. Outros atores interpretando não só o personagem, mas qualquer outro super-herói, terão para sempre que viver à sua sombra.

A trilha de John Williams merece menção especial: é um espetáculo e fundamental para que o filme seja arrebatador desde os créditos iniciais, com aqueles nomes do elenco voando pelo espaço. Donner combinou este e outros elementos de maneira exemplar, desfilando uma grande cena após a outra. E sabendo trabalhar a expectativa da plateia de 1978: o Super-Homem só aparece vestido de super-herói e voando pela primeira vez (saindo do chão, no fundo da imagem e se aproximando até passar em frente à tela) com quase uma hora de filme. Que momento deve ter sido para as primeiras plateias do filme, que nunca tinham visto nada igual!

“Você vai acreditar que um homem pode voar”, dizia o slogan nos cartazes. E eles não estavam brincando.

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