15ª Janela (2024) – Dahomey
As estátuas também falam.
Por Davi Barros | 04.11.2024 (segunda-feira)
“A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. “A verdade nunca nos escapara essa frase de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela.”
Walter Benjamin, Sobre o conceito da História.
Dahomey (Fr, 2024) O novo filme de Mati Diop começa com uma tela escura e o som de uma voz que parece suspensa no tempo. A partir dessa narração misteriosa, descobrimos que o número 26 foi escolhido para designar uma figura. Logo entendemos que se trata da jornada de 26 peças que estavam na França, mas pertencem originalmente ao Benin. Acompanhamos o processo de empacotamento dessas peças e sua chegada ao destino de origem. A primeira parte do filme, com seus cenários predominantemente estéreis e silenciosos, acompanhados por uma voz em off profunda e cavernosa, cria uma atmosfera próxima ao terror, lembrando especialmente os filmes de Pedro Costa, como Juventude em Marcha, Cavalo Dinheiro (com suas cenas marcantes no museu e no elevador com Ventura) e Vitalina Varela. O filme estabelece diversas conexões com outras obras, como Les statues meurent aussi e Césarée de Marguerite Duras, mas limitar-se a essas referências europeias parece inadequado. Afinal, o filme de Diop questiona continuamente uma população que cresceu cercada por imagens estrangeiras, muitas vezes sem ter conhecimento das riquezas de sua própria história.
Mati Diop continua a jornada fantasmagórica de seu longa anterior, Atlantique, criando mais um filme sobre figuras do passado que retornam como fantasmas. Aqui, ela explora o que resta dessas imagens de outrora — como os jovens desaparecidos no mar ou o protagonista de um icônico filme senegalês — e como essas figuras perduram no presente, mesmo profundamente impregnadas por um passado ao mesmo tempo distante e próximo. É impossível não mencionar a textura visual do filme, característica recorrente na obra da diretora, e o impacto de certas cores: o azul em Atlantique, o rosa escuro em In My Room, e, aqui, o verde, que se destaca tanto no título quanto nos bares e na cidade filmada, conferindo às paisagens um brilho reluzente, único e prazeroso de contemplar.
Diop captura a passagem do tempo, usando a voz em off para transmitir o estranhamento e o senso de pertencimento desse ser que vaga pelas ruas modernas de seu país. Nos momentos finais, passado, presente e futuro se fundem em uma única entidade, evocando a citação de Gilles Deleuze sobre Federico Fellini: “Somos ao mesmo tempo a infância, a velhice e a maturidade.” . Entre passado e presente, ficção e documentário, Diop desfaz as fronteiras, criando um cinema em fluxo contínuo — como ondas do mar, um elemento central em seu projeto artístico, que evoca múltiplas vozes e temporalidades. No mar, tudo se torna um só, como se começo e fim se encontrassem no mesmo ponto.
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