15ª Janela (2024) – Tudo Que Imaginamos Como Luz
A descoberta de um toque
Por Davi Barros | 04.11.2024 (segunda-feira)
Uma das primeiras coisas que chama a atenção em Tudo Que Imaginamos Como Luz (FR, IN, 2024), de Payal Kapadia, é a maneira como Mumbai, na Índia, é filmada: grandes prédios e outdoors refletem uma realidade distante da vivida pela maioria das pessoas que passam diariamente por eles. A sensação de movimento desenfreado, de uma cidade que nunca para sob nenhuma circunstância, compõe o cenário das protagonistas Anu (Divya Prabha) e Prabha (Kani Kursuti), acentuando a melancolia das personagens por meio desse ritmo incessante. Ambas são enfermeiras e colegas de quarto: Anu, a mais jovem, vive um romance com um rapaz muçulmano, enquanto Prabha espera, melancólica, por seu marido, que mora na Alemanha — uma figura comparável à personagem de Laura Morante em À Flor do Mar, de João César Monteiro, para quem “todos os seus dias são memórias de fantasmas”. Essa diferença em suas realidades separa e, ao mesmo tempo, aproxima as duas mulheres, como se uma refletisse os desejos românticos da outra.
O que permanece com o espectador não é tanto o azul escuro e solitário da metrópole, mas sim esses pequenos grandes momentos: o ultrassom de uma gata, um rosto surpreso ao observar os movimentos de dança de uma colega e duas amigas atirando pedras em um outdoor. Essas sequências não são marcantes por avançarem a narrativa, mas são belas por sua mundanidade, cada vez mais rara em um mundo produtivista em que todo momento deve possuir alguma utilidade. O que resta é o toque de uma mão ou um aperto no braço de um namorado durante o sexo, quase como em um filme de Yasujirô Ozu ou Claire Denis, onde gestos considerados “insignificantes” adquirem uma amplitude rara e única. É, sem dúvida, um filme que encantará o público.
0 Comentários