Juror #2
Um Eastwood auto-dessacralizado
Por Luiz Joaquim | 14.11.2024 (quinta-feira)
PARIS (FR) – Clint Eastwood, 94 anos, volta às luzes do mundo, e o ilumina mais uma vez, nos intrigando com o seu mais recente trabalho (será o último?): Juror #2 (EUA, 2024).
Ainda sem data de estreia no Brasil, e talvez tendo como única fonte de difusão o streaming (pelo Max) e não as salas de cinema, o filme deixará os fãs de Eastwood inquietos – no bom sentido. Isto porque está lá o habitual contraste entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto que tanto marca sua filmografia, e não apenas como diretor.
E o melhor, sem arroubos ou gorduras. Entregando ao espectador médio de maneira fácil um conflito profundo para ele próprio decidir que lado tomar a partir de dados simples, quase corriqueiros. Daqueles dignos de representar qualquer cidadão comum.
Para entender, basta saber pouco do enredo. Temos o jovem e feliz Justin (Nicholas Hoult) com a sua esposa Allison (Zoey Deutch) prestes a dar a luz a primeira filha do casal. Enquanto isso, Justin, a contragosto, foi escolhido para compor um júri de 12 integrantes civis – entre eles o ex-policial Harold (J. K. Simmons) – para um julgamento de assassinato.
O acusado James (Gabriel Basso) vai a julgamento pela suspeita de ter assassinado sua namorada jogando-a de uma ponte. Há inclusive uma testemunha ocular que confirma ter visto James empurrando-a. Tudo aponta para um óbvio veredito: culpado!
Mas acontece que, durante o julgamento, Justin se dá conta que James é inocente por uma informação que apenas Justin possui. O ponto é: após consultar seu pastor e também advogado, Larry (Kiefer Sutherland), Justin compreende que compartilhar com o júri essa informação para inocentar James comprometeria toda a sua vida e a de sua esposa e filha.
Está dado o dilema, e ele não é pequeno. Nunca foi para Eastwood. Tanto que em Juror #2, os aspectos legais e formais do julgamento, com o advogado de defesa Eric (Chris Messina) e com a promotora Faith (Toni Collette), desfiando suas provas e argumentos, não toma metade do filme
O interesse de Eastwood aqui, nesse belo roteiro original de Jonathan A. Abrams, está nas discussões dos 12 integrantes do júri. Está no exercício rebolativo de Justin em convencer quase a totalidade de seus colegas no júri, convictos na culpa de James, que o acusado é inocente. Mas isso sem revelar a sua informação privilegiada.
Com fotografia de Yves Bélanger, é muito bom perceber não apenas um padrão temático de Eastwood no seu Juror #2 mas também estético. Desde um simples plano contra-plongée de dentro do carro da advogada de acusação (típico em seus filmes policiais), até o velho e bom plano do protagonista Justin chorando desamparado dentro de seu carro sob a chuva, com o enquadramento por fora do carro, mostrando filetes d’água da chuva escorrendo pelo para-brisa e ampliando poeticamente a sua angústia. Em Menina de ouro, só para citar um de seus filmes com o recurso, a mesma situação ocorre com Maggie (Hilary Swank).
Colocar Juror #2 diante de uma boa parte da gigante filmografia de Eastwood é também confrontar uma de suas maiores marcas. O cuidado com a lei, mas a necessidade de quebrá-la para estabelecer a justiça aos olhos do protagonista.
O crítico Fernando Ganzo lembrou bem na Cahiers du Cinèma deste mês de novembro que o link recente e imediato para Juror #2 é O caso Richard Jewell (2018), uma vez que “não existe uma só forma de estabelecer justiça, seja pelo que nos é dado no aparente ou não, seja condenando monstros ou santificando heróis”
Por essa diretriz, Eastwood nos põe no novo filme de fronte a um contexto em que não podemos acusar ninguém – afinal, todos são vítimas: Justin, James e a sua falecida namorada -, mas temos, espectadores, que concordar que há uma responsabilidade moral que precisa ser contemplada. E isto tem um preço alto.
Interessante que, ao final, Juror #2, no dá um tapa na cara. Nos dois lados da cara. Tanto na nossa face que nos faz torcer pelo bom rapaz protagonista, Justin – “pai da ideal família americana”- quanto na nossa face que sempre caminhou pelas trilhas da justiça a lá Eastwood “Make my Day!”. Temos, enfim, a desconstrução do seu herói clássico – aquele que buscava por todos os meios a salvação.
Isto porque é a lei que irá se impor aqui, ao fim e ao cabo. Num final aberto, mas com o rosto duro da promotora chamada Faith (“Fé, em português) dando a eloquência das consequências de se encarar a verdade: a única e autêntica ferramenta da justiça.
P.S. – só um ponto curioso sobre Juror #2, o aproveitamento tímido dos talentos de J. K. Simmons e Kiefer Sutherland.
– filme visto na sala 2 do cinema mk2 Bastille em 11 de novembro de 2024, Paris, França
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