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Porto/Post/Doc (2024) – Eno

Utilizando tecnologia generativa de imagens, o filme reflete a inovação de Brian Eno na música

Por Renato Cabral | 29.11.2024 (sexta-feira)

É preciso um aviso aos que lerão este texto. O documentário Eno (2024), de Gary Hustwit, assistido no Porto Post Doc, muito provavelmente não será exatamente o mesmo que você já assistiu ou irá assistir algum dia. Escrevo isso, pois a cada exibição um software de tecnologia generativa entrega uma versão completamente nova do documentário. Pode ser uma versão que difere em pequenos detalhes, imagens ou trechos. Mas nunca se sabe, pois essa tecnologia pode modificar até mesmo a estrutura. Já o que se sabe é que o trabalho de Hustwit, em parceria com o artista e programador Brendan Dawes, pode chegar a algo próximo de 52 quintilhões de versões. Logo, fazer uma crítica de tal produção é torcer para que alguém encontre similaridades com o que acabe por assistir. Seja como for, existe algo que todas as versões terão em comum: a genialidade e o carisma de Brian Eno.  

A busca por inovação é o fio condutor de Eno (2024), onde o filme se adapta a cada exibição, assim como a música de Eno.

A realização do documentário com o software é similar ao processo que o próprio Eno desenvolve alguns dos seus trabalhos com a música, ficando notável que Hustwit tenta é aproximar o filme do formato e  originalidade do seu protagonista numa busca em olhar para o futuro de uma maneira construtiva, transformativa e de muitas possibilidades. Isso tudo só reforça que identificar Eno como visionário não é algo dito da boca-pra-fora ao longo de tantas e tantas décadas. Logo percebemos isso, pois se torna um trabalho complexo tentar registrar uma personalidade como o músico e sua imensa trajetória criativa e artística que expande para tantos territórios, chegando até em lugares inesperados como a criação de ambient music para aeroportos com o álbum Ambient 1: Music for Airports, de 1978, que é um dos álbuns mais vendidos do artista.

Porém se Eno é inventivo e inesperado em forma e conteúdo, a produção do filme se vê numa posição complicada se comparada ao protagonista. É que, diferente de Eno, Hustwit acaba refém do seu maquinário de versões. Mesmo que ele e sua equipe não se rendam a entrevistar os amigos e parceiros criativos e utilizem apenas entrevistas gravadas para o documentário e outras antigas em que próprio Eno verbaliza suas questões, algo parece raso. Não existe algo de grandioso, de um grande arco. E talvez seja esse mesmo o objetivo e entendimento do realizador. Aproximar-se profundamente de Eno talvez seja impraticável. Logo, constrói-se uma produção razoável em conteúdo, que é leve e com um humor característico do músico a abrir blocos de anotações antigas e rememorar voice memos do começo da carreira em tom cômico. Existe a busca em falar do passado, mas nota-se que Eno prefere olhar e falar de modo filosófico e de situações mais ordinárias. Exceto quando abre-se a possibilidade de tratar do seu posicionamento ativista com questões do meio ambiente e dos direitos humanos. 

O documentário destaca o humor e a criatividade de Brian Eno, que se mistura com sua visão filosófica sobre o futuro.

Existem alguns desvios suaves de assuntos que são tão constantes e que todos os fãs gostam de ouvir sobre como David Bowie e Roxy Music, por exemplo. Mas ambos estão lá, assim como o trabalho com os Devo, Talking Heads e o U2. O grupo irlandês ganha, inclusive, um destaque com vários momentos de bastidores em estúdio e a dinâmica estabelecida entre Bono e Eno. O mesmo acontece com um dos grandes parceiros artísticos de Brian: o multifacetado John Cale, durante o processo de gravação do álbum Wrong Way Up (1990). Aparecem ainda grandes nomes em momentos pontuais, apenas utilizando o dispositivo de cartões que Eno desenvolveu para dinamizar os momentos em que precisava de um apoio criativo, os Oblique Cards. Laurie Anderson e David Byrne são peças dessa ação. Aparecem por breves segundos com um cartão e lêem uma frase que faz com que algo mude na estrutura. Fica a cargo de David Byrne encerrar o documentário com uma impactante e ótima frase: Go outside. Shut the door. Após a leveza de Eno e a nossa vivência constante em um mundo tão preso ao digital, às telas e aos softwares, não há como negar que a indicação cai muito bem. Vamos?

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