X

0 Comentários

Festivais

Porto/Post/Doc (2024) – The Black Garden

Documentário retrata três gerações marcadas pelos impactos das guerras

Por Renato Cabral | 27.11.2024 (quarta-feira)

Primeiro filme documental em longa-metragem do fotógrafo Alexis Pazoumian, The Black Garden (2024) é ao mesmo tempo sutil e desolador ao retratar três gerações afetadas por guerras. Pazoumian segue, de 2019 a 2022, os passos e pensamentos de Karen, um veterano; Erik, um jovem soldado; e dois meninos armênios, Samvel e Avo. Todos vivem as consequências de um conflito na região de Talish, no Alto Carabaque – conhecida também como Nagorno-Karabakh. Uma guerra que remonta às decisões de Josef Stalin durante a sovietização da Transcaucásia e intensificada com a Revolução Russa de 1917, quando a região integrou a República Democrática Federativa Transcaucasiana, dividida em três estados: armênios, azeris e georgianos. Em 1918, o Alto Carabaque, de população armênia, declarou autonomia e formou um governo local, o que levou à entrada de tropas turcas na região e à resistência armada.

De 1918 até os dias atuais, gerações e mais gerações de armênios vivenciaram a desesperança de um futuro na região devido à tentativa de colonização, mesmo com alguns a constantemente retornando ao Alto Carabaque. Assim como visto recentemente no excepcional No Other Land (2024) – que trata do avanço dos israelenses na região da Palestina –  também em The Black Garden não há como conceber abandonar a terra onde nasceram e vivem, mas também porque não há lugar para onde migrar. Assim, muitos vivem seus dias entre a saída forçada e o regresso necessário, mesmo quando deparam-se com a região em meio a ruínas ou situações precárias com um medo constante do que pode estar por vir.

“The Black Garden” revela as histórias de homens e meninos que, apesar do trauma, resistem e buscam sobreviver

Entre aqueles que mantêm essa resistência estão os protagonistas do documentário, que Pazoumian utiliza como mediadores para compreendermos as consequências da vida em guerra. É um retrato sensível sobre os homens e meninos nesse contexto. O realizador não esconde a naturalização da guerra e da militarização no dia-a-dia das crianças, as quais aprendem já na escola como montar armas e carregá-las com munição. “É preciso não ter medo, mostrar que você domina ela.” diz um militar ensinando um dos meninos. 

Se os meninos (e meninas também) se familiarizam com as armas, os jovens e adultos vivem os dias esperando pela paz, mas sem esquecer que estão prontos para lutar. É uma resistência pensar em paz, mas também uma utopia que logo o soldado Erik logo sente, infelizmente, na pele ao perder uma de suas pernas ao ir para o combate. The Black Garden é assim como uma radiografia do viver em meio a um conflito não só interno, mas de proporções externas imensas. Em que a única saída é lutar. O que gera uma desolação total e está em um dos momentos mais tocantes do documentário em que um amigo de Karen, relata que após perder todos os seus familiares e já não ter casa ou dinheiro para comer, gostaria de ir para a guerra, afinal “já há mais o que perder”. 

Através de personagens que enfrentam as cicatrizes de um conflito sem fim, “The Black Garden” oferece um retrato profundo da realidade armênia no Alto Carabaque.

Mesmo com Pazoumian tentando, em alguns momentos, mostrar um lado ainda mais comum e distanciado da guerra dos seus protagonistas, isso se torna impossível. A guerra está por tudo e se enraíza nessas pessoas já tão traumatizadas. Se os meninos se mantêm entretidos com violentos jogos de videogame, o jovem soldado paralelamente está imerso em uma melancolia ao descrever o seu processo artístico como escultor de pequenas obras de metais. Não há escapatória. O alívio, se é que existe, reside na maneira delicada e digna com que Pazoumian presenteia seus personagens com uma montagem e cinematografia repleta de empatia e cuidado. Algo que, é preciso dizer, anda em falta.

Mais Recentes

Publicidade

Publicidade