57º Brasília (’24)– Enquanto o Céu não me Espera
Um Fitzcarraldo nativo da Amazônia?
Por Luiz Joaquim | 05.12.2024 (quinta-feira)
BRASILIA (DF) – Quando a 50ª edição do Festival de Gramado, em 2022, encerrou a sessão de Noites alienígenas, de Sérgio de Carvalho, todos envolvidos no festival pareciam ter uma clareza: a de que aquela edição competitiva tinha encontrado (como de fato encontrou) o seu vencedor. E ele vinha do Acre.
A noite de ontem (4), aqui na 57ª edição do Festival de Brasília do Cinema, deixou um gostinho parecido após a exibição de Enquanto o céu não me espera, filme de Christiane Garcia, que vem do Amazonas.
Estrelado por Irandhir Santos, Priscilla Vilela, Maycon Douglas e Rubens Santos, Garcia nos conta pelo seu roteiro uma história não incomum aos ribeirinhos da sua região, só que inquietante para os estrangeiro àquela realidade, que não compreendem a lógica de lutar contra as cheias dos rios da Amazônia.
O enredo nos coloca dentro da pequena casa de madeira de Vicente (Irandhir) com a sua esposa Rita (Priscilla) e o filho mais velho (Douglas) além de outros dois menores. Uma vez dentro dessa família/casa, vamos acompanhando o desfalecimento dessa família à medida em que enchentes chegam e a água vai engolindo a casa.
A tensão está na insistência de Vicente em permanecer ali, segurando a família, pela sua determinação em manter íntegra o sítio que foi de seu pai. Até que, à certa altura, percebemos claramente – ao menos aos nossos olhos externos -, que não há mais lógica racional para aquela resistência de Vicente em deixar o lugar. Só a partir de uma tragédia que atinge a família, é que os personagens começam a tomar outros rumos.
Mas o impacto do Enquanto o céu… está na combinação da consistência de uma história regional tão pouco conhecida pelo resto do País, somada a um bale dramático absolutamente magnético feito pelo elenco e, particularmente, pela direção corajosa e inventiva de Cristiane quando nos entrega um filme “molhado”.
Na apresentação do filme antes da projeção no Cine Brasília, a Ju Baratieri, responsável pelo som do Enquanto o céu…, agradeceu o pessoal do maquinário da produção e lembrou que todo mundo passou metade das filmagens dentro d’agua. Uma vez visto o filme, fica clara a colocação da profissional.
E, terminada a sessão, o que mais se escutava no hall do cinema era: “Mas como ela (a diretora) conseguiu filmar isso?”. Expressões como “deserto aquático” eram escutadas na saída do filme, tentando encontrar um lugar para encaixar o sofrimento exposto no filme a partir da circunstância tão particular apresentada pelo filme.
Na manhã seguinte, a jornalista Maria do Rosário Caetano, durante entrevista coletiva, também fez à diretora uma boa relação entre a sua produção amazonense e o clássico Vidas secas (1964): “O seu filme está para o Amazonas como o filme do Nelson Pereira [dos Santos] está para a seca do Nordeste. O seu filme é como um ‘Vidas Molhadas’”.
De fato, o filme apresenta ao Brasil um dramático universo social que não é exatamente novo, mesmo para o resto do país, mas que aqui ganha uma temperatura forte e impactantes pela enredo trançado por Christiane sob um rigor criativo na concepção cinematográfico em todos os detalhes técnicos – captação de imagem, desenho de som, cenografia, etc -; e considerando ainda que o rio e a sua real enchente não se submetiam ao plano de trabalho da produção, mas sim o inverso.
Talvez seja exagero dizer que Christiane tem com Enquanto o céu… um Fitzcarraldo (1982) para chamar de seu mas, de qualquer forma, é inegável que apenas uma grande profissional para conseguir pilotar um projeto cinematográfico tão audaciosa e, para nossa sorte, tão envolvente, surpreende, cativante e redondo.
Por mais cinemas de Christiane Garcia.
* Viagem a convite do Festival de Brasília
0 Comentários