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Festivais

57º Fest. Brasília (2024) – Criaturas da Mente

O sonho costurado por bits digitais de Marcelo Gomes e Sidarta Ribeiro

Por Luiz Joaquim | 04.12.2024 (quarta-feira)

BRASILIA (DF) – Há 13 anos, quando exibido no 39º Festival de Gramado, um jornalista gaúcho abriu a coletiva de imprensa afirmando categoricamente para Paulo Caldas, por ocasião da exibição do seu O país do desejo, que aquele seria o filme “menos Paulo Caldas” de todos. O cineasta ser resumiu a responder que era o contrário. Que aquele era o “mais Paulo Caldas de todos”.

Paulo continuou dizendo que não havia sentido em se repetir e era preciso quebrar a ideia de ‘cinema pernambucano’ como um bloco estético unificado. E, citando Marcelo Gomes, reforçou: “Às vezes nos sentimos como se fossemos uma tapioca”.

Marcelo Gomes, Letícia Simões, Sidarta Ribeiro em entrevista coletiva do 1o de novembro (foto Luiz Joaquim)

Pulamos para 2024, aqui na abertura do 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sexta-feira última (30/11) e encontramos, talvez, um dos mais pessoais filmes de Gomes, Criaturas da mente. Isto se tomarmos como régua que o cineasta conduz o documentário com a sua própria voz em off, com o discurso na primeira pessoa do singular, a partir de um incômodo surgido na época da pandemia – ele simplesmente parou de sonhar durante o sono. Como se não bastasse essa investigação sobre a lógica (ou falta dela) dos sonhos e do inconsciente, Gomes ainda inclui uma amorosa sequência com a sua mãe no filme.

Falando assim – narrativa em off do realizador sobre um assunto pessoal, incluindo a própria mãe na narrativa – dá para lembrar de outro documentário realizado em Pernambuco: Retratos fantasmas (2023), de Kleber Mendonça Filho. Mas as similaridades encerram aí.

Enquanto Mendonça começa com uma busca de fora (sua mãe, cinemas do Recife) para dentro; Gomes segue o caminho inverso. Seu leitmotiv aqui está nele, é a fuga de seus sonhos, para daí chegar a Sidarta Ribeiro e tornar o renomado neurocientista na guia que conduzirá essa investigação pessoal sobre o sonho, o inconsciente, no filme Criaturas da mente, fruto de uma primeira parceira entre a pernambucana produtora Carnaval Filmes com a carioca Videofilmes.

E a julgar pelos elogios de Maria Carlota Bruno, da Videofilmes, sobre o trabalho com Gomes, a parceira poderá se desdobrar no futuro.

Voltando ao feliz encontro de Gomes e Sidarta, importante dizer que o cineasta procurou o pesquisador a partir do artigo Ciência em Krakatoa, escrito pelo último na edição de abril de 2020 da restiva Piauí, no qual Sidarta o encerra registrando detalhes do carnaval de Olinda.

Marcelo, cuja cinematográfica sempre passa pela expressão do carnaval, desde de seu Maracatu, maracatus (1995, também exibido no Festival de Brasília) sentiu-se ainda mais atraído por uma conversa com Sidarta nos laboratórios da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O resultado foi a construção, complexa (com a participação no roteiro de Letícia Simões e Fabian Remy na montagem), criando um filme que ao mesmo tempo esteja próximo da ‘liberdade’ narrativa e estética de um sonho, mas sem descolar-se das necessárias indicações que levará o espectador à compreensão do todo ali apresentado. E Marcelo consegue.

Na coletiva, Sidarta lembrou: “O cinema é a produção mais próxima do sonho. A rede do sonho no cérebro não se monta com o olho aberto. Mas há estudos mostrando que quando você está entregue a um filme você acessa essa rede”.

E na costura desse sonho em forma de bits digitais reunidos por Marcelo Gomes, Criaturas da mente relativiza, pela clareza na fala de Sidarta, algumas certezas na fé pela ciência. Lembrando ele que há “ciências”, com a ancestralidade e o conhecimento trazidos pelos povos originários e os de origem africana sendo tão valiosos quanto aqueles saberes adquiridos em laboratórios para entender o conceito de Criaturas da mente.

Endossando a tese, Gomes dá voz a Mãe Beth de Oxum (Patrimônio Vivo de Pernambuco) – “Temos gente dentro da gente” – e escuta Ailton Krenak.

Na entrevista coletiva, Sidarta resgatou uma fala do líder indígena: “Krenak conta que para a tribo Navajo, na América do Norte, sua tradição conta que a humanidade é derivada do sonho de uma aranha. Como, nós, dentro de nossa racionalidade podemos aceitar isso. Não podemos porque trata-se de sentir. Abrir as portas do inconsciente”, concluiu.

* Viagem a convite do Festival de Brasília.

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