28º Tiradentes (2025) – Kickflip
A manobra do cinema jovem e sua busca pelo tempo presente
Por Yuri Lins | 31.01.2025 (sexta-feira)
A exibição de Kickflip na Mostra de Tiradentes já começou com a bela apresentação do diretor no palco do Cine-Tenda antes de começar o filme: Kickflip …… é uma manobra de skate!”. Por trás da literalidade da definição do dicionário, surge uma poética inesperada de pensar um filme como uma manobra, algo que rodopia no ar. Além disso, a performatividade dessa apresentação se expressou pela longa pausa após o título. Afinal, o que é Kickflip? “Que cinema é esse?”
No debate no Cine-Teatro no dia seguinte à apresentação, os dois debatedores, Bernardo Oliveira e Alana Falcão, mesmo com todo o seu conhecimento e experiência, tiveram dificuldade de adentrar no filme. Quando surgiram as intervenções dos membros do Júri Jovem, parece que o debate saiu de um engarrafamento e deslanchou. Esses impasses sinalizam para a dificuldade de abordar um filme tão original e, ao mesmo tempo, uma lacuna geracional: Kickflip é sobretudo um filme jovem.
O próprio diretor fez questão de não aderir às tendências de alinhamento com um cinema independente norte-americano, aos moldes de um Korine, Clark ou mesmo o Paranoid Park (2007) de Gus van Sant. Preferiu alinhar seu filme com a cultura das redes, com os vlogs e o universo virtual. E quando fez referência a uma tradição cinematográfica, preferiu se remeter ao primeiro cinema e seu cinema das atrações. Afirmou que seu filme estava mais próximo do vaudeville do que das sketches. Nesses momentos, o ultrajovem Filippin mostrou seu repertório e que seu filme indiscutivelmente possui um pensamento cinematográfico sofisticado e refinado. Ainda, negou veementemente que seu filme expressava um americanismo deslumbrado mas o inseriu dentro de uma cultura do interior de São Paulo, do desafio de transformar o estacionamento do McDonald´s em um lar, e em como é inevitável que um imaginário jovem seja contaminado com esses arquétipos estrangeiros, mas levando-os para outro lugar.
Kickflip, a meu ver, expande uma trajetória do cinema brasileiro contemporâneo com uma abordagem original, reunindo fragmentos que jogam luz para uma afetividade precária, em torno dos modos de ser de uma juventude que busca seu lugar no mundo, em torno da formação de uma comunidade que se estrutura por laços de amizade instável. No entanto, aqui não há caminho a seguir como em Estrada para Ythaca (2010) – filme do Coletivo Alumbramento que causou sensação na mesma Mostra Aurora há 15 anos atrás –, mas a busca de viver a vida em seu momento presente, nada mais. Quando não há uma tradição de passado e um projeto de futuro, devemos ir ao presente, porque é o que temos. Assim, o filme se instaura entre uma dialógica de certa melancolia, expressa sobretudo nos vazios das amplas paisagens que funcionam como ruínas, em que os personagens tentam fazer a manobra que nunca se realiza, até que o skate se quebra, e, de outro lado, os interiores das casas em que os personagens convivem. Dialógica que se amplia entre o mundo concreto da manobra de skate e o universo das comunidades virtuais que também funcionam como elo de pertencimento e descobertas. Kickflip pode ser visto como o fracasso dessa manobra que nunca se realiza, mas também como o próprio processo de buscar um movimento, um giro em torno do corpo, uma tentativa de mover-se. Repetir, repetir, até que algo inesperado possa surgir a partir disso. Alguma fagulha, um elemento de criação, ou mesmo algum movimento para escapar do tédio. Um filme tremendamente jovem, contaminado pelo mundo (virtual e real), que expressa de forma bastante original os desafios de uma juventude em prosseguir vivendo e criando, ainda assim.
Kickflip e Um minuto… (filme de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, exibido na Mostra Aurora há poucos dias) são dois filmes que se utilizam de imagens precárias para expressar as angústias de personagens que tentam encontrar seu lugar no mundo. Para isso, ambos utilizam recursos de montagem que fogem das dramaturgias de teleologia e roteiro, mas que são fundados numa aposta radical de mergulhar no processo de filmagem, e expressam seu discurso por outra lógica de organização das imagens e sons que foge das estruturas mais convencionais de montagem, evitando qualquer vestígio de progressão dramática ou de blocagem. Geram um estranhamento porque esses filmes não “progridem” mas seu movimento obedece a uma lógica interna mais difusa, mais irregular, mais precária, e, por isso, mais desafiadora e sobretudo coerente com seu universo interno.
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