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Críticas

A Verdadeira Dor

Entre o passado e o presente, a experiência de estar no mundo

Por Yuri Lins | 31.01.2025 (sexta-feira)

Benji (Kieran Culkin) e David Kaplan (Jesse Eisenberg) são primos que viajam à Polônia para explorar a história de seus antepassados. Judeus, receberam de sua avó uma herança destinada a financiar essa jornada — um último pedido que, além de um gesto de carinho, parece uma tentativa de reaproximá-los após anos de distanciamento. Antes inseparáveis, cresceram e se afastaram. A viagem, embora os leve a paisagens distantes das que conhecem, os conduz por um caminho mais sinuoso, o dos laços de sangue — laços que, invariavelmente, carregam também a herança dolorosa de seu povo.

A avó de Benji e David sobreviveu ao Holocausto por uma sucessão de milagres, e sua existência tornou possível a de seus filhos e netos. Embora tenham crescido ouvindo relatos sobre o horror vivido pelo povo judeu na Segunda Guerra Mundial, os primos pertencem a outra geração — uma em que a memória do passado é mediada pela história, seja a grande história ou a cotidiana, transmitida por familiares e membros da comunidade. Ainda assim, carregam a identificação que une judeus em qualquer parte do mundo: um vínculo que se reafirma na presença, na partilha e no ato de relatar.

A rememoração do passado se torna pessoal na presença física dos lugares que moldaram a história.

É na presença física da paisagem polonesa e no ato de narrar que a rememoração se torna possível. Benji e David juntam-se a outros judeus de sua geração em uma excursão que percorre os principais marcos históricos. A cada parada, um guia extrai dos espaços um relato que dá forma ao passado que todos ali cresceram ouvindo. Mas, diante dos monumentos, aquele passado deixa de ser apenas uma memória herdada — torna-se pessoal, irrevogavelmente íntimo. Há algo que sempre se entranha nas paisagens e nos lugares onde o mal mostrou os dentes, assim como naqueles onde a resistência dos oprimidos afirmou sua vontade de viver. E é no gesto de olhar com os próprios olhos, sentir a temperatura dos espaços na própria pele, receber o ar nos próprios pulmões, que a experiência concreta do presente se afirma — tornando mais evidente a ligação de cada indivíduo com seus antepassados, ao mesmo tempo que reflete quem ele é na atualidade, o que carrega de transformação, de acúmulo de tempo, mas também de constituição cotidiana, não exatamente épica, mas comum, imersos no curso do dia a dia e nas perspectivas de futuro.

É essa dimensão da intimidade que A Verdadeira dor (EUA, 2025) corajosamente escolhe habitar. Ao longo da viagem, os personagens enfrentam o colosso da história, mas o filme não os dissolve nela. Benji e David são absorvidos por suas próprias questões: David, autocentrado, tem família, trabalho e um filho; é estável, mas sem brilho. Benji, extrovertido e carismático, domina qualquer ambiente, mas carrega uma depressão profunda e a possibilidade do suicídio. Na juventude, eram inseparáveis; agora, a viagem os obriga a compartilhar um espaço e confrontar tanto o passado de seu povo quanto seus próprios dilemas pessoais. David não entende como alguém tão magnético quanto Benji pode desejar a morte. Benji, por sua vez, se ressente da transformação do primo — da cumplicidade perdida, substituída por um distanciamento educado, mas desconfortável.

No percurso dos laços de sangue, um trajeto sinuoso onde é difícil expressar o que realmente se sente, alcançar essa dimensão será inevitável. David terá que se expor, deixando transparecer a fragilidade que esconde por trás de seus gestos contidos. Benji, por sua vez, precisará encontrar, no contato direto com o mundo — e com tudo o que nele há de alteridade —, um motivo para permanecer, mesmo quando o abismo o seduz. Sensível e magnético, capaz de iluminar a vida alheia com sua simples presença, Benji será confrontado com seu próprio inferno interior e desafiado a se agarrar às âncoras que a realidade ainda lhe oferece.

Gestos mínimos, olhar sem excesso: a experiência de estar no mundo e a busca por partilha.

Jesse Eisenberg dirige A Verdadeira Dor com uma simplicidade desconcertante. Seus enquadramentos nunca buscam mais do que o essencial, evitando qualquer excesso. Essa contenção se reflete também no humor, que surge de maneira fluida em cenas que funcionam quase como gags — a dança improvisada nos monumentos à resistência, a entrada furtiva em um trem sem passagem — momentos que transitam habilmente entre a melancolia e um senso de continuidade, de uma vida que segue apesar dos percalços. Equilibrando-se entre o riso e as lágrimas, entre a dor e o acalento que ela pode carregar, o filme alcança uma atmosfera de enternecimento bastante tocante. 

O que melhor se pode dizer sobre A Verdadeira dor é que ele não é uma daquelas obras cujas dores de seus personagens serão redimidas, ou mesmo que seus problemas serão resolvidos. Ao mesmo tempo, também não é um filme que afirma a dor como algo irrevogável e trágico; é um filme absolutamente calcado num humanismo, na experiência impressionista que éestar vivo. E, com poucos meios e uma ambição que não excede os gestos mais cotidianos de suas personagens, o filme alcança a ideia de que a experiência humana, por mais complexa e dolorosa que seja, é, acima de tudo, uma experiência de continuidade, de persistência, e de presença no mundo. 

Pequeno belo filme. 

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