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Críticas

Conclave

Um filme que nos suga para suas dúvidas e certezas para pensarmos sobre a humanidade

Por Luiz Joaquim | 14.01.2025 (terça-feira)

É coisa para os melhores maestros orquestrar, combinando numa narrativa de precisão oral e visual, a construção de tensões que culminam numa ideia de que o bem estar de uma grande parcela do planeta depende do que estamos vendo. Não estamos falando do novo filme da Marvel, mas sim de um filme para espectadores que leem, por ano, mais de romance comprovadamente qualificado.

O nome do filme é Conclave (Idem,  UK/EUA, 2024), que estreia no Brasil próximo 23 de janeiro. O nome do maestro é Edward Berger (de Nada de novo no front), que assina a direção do filme adaptado do romance homônimo do britânico Robert Harris, lançado em 2016.

Conclave tem figurado nas habituais listas de possíveis obras a disputar o título de melhor filme no Oscar 2025. A Academia de Artes e Ciências Cinematográfica de Hollywood divulgou ontem (13) que anunciará os indicados também no dia 23 de janeiro.

O título de melhor roteiro (de Peter Straughan), conquistado por Conclave na disputa do mais recente Globo de Ouro, foi um dos prêmios mais acertados. A maioria dos jornalista de cinema, de todas as partes do mundo, que votam naquela premiação optaram por contemplar um roteiro ricamente preciso em sua retórica no embate das ideias.

Fiennes como o Cardeal Lawrence e Stanley Tucci como o Cardeal Bellini, segredando o rumos do Conclave que elegerá o novo Papa.

Ao contrário de alguns concorrentes nessa categoria, como Anora e A substancia, que chamam a atenção pelo que há de aloprado na história contada, o roteiro de Conclave nos dá diálogos que parecem lapidados ao máximo da precisão, de modo a não apenas dar o recado na forma mais explicitamente clara como também por oferecer a possibilidade ao espectador de mergulhar, individualmente, em suas próprias ilações pelo que acompanham na tela.

E não apenas pelo que escutamos, espectadores, da boca dos atores, mas também pelo que se desenvolve plasticamente diante de nossos seus olhos pela fotografia de Stéphane Fountaine.

O diretor suíço, Berger, e o seu editor Nick Emerson administram bem as tensões e os relaxamentos (quase inexistentes) de Conclave quando alternam os crescentes conflitos (no plural) que assombram o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) contrapondo-os com imagens que são eloquentes por si só ao expor, silenciosamente, a magnitude presente na arquitetura do Vaticano.

Equilíbrio e reforço nas tensões com a amplitude da arquitetura do Vaticano em planos precisos.

São imagens que ajudam a sentirmos o peso que comprimem os ombros de Lawrence e franzem ainda mais o seu cenho.

Mas nada do sentido de urgência e grandiloquência que aqui está proposto atingiria o público sem a também afinação de um coletivo de atores gigantes: Stanley Tucci, John Lightow, Isabella Rossellini, Lucian Msamati, Carlos Diehz e Sergio Castellitto, além de Fiennes. Eles roubam as cenas a cada aparição na tela. Não pelo grito, mas pelos movimentos prudentes. Pela modulação no tom da voz. Pela performance, enfim, que coaduna com uma temperatura sincronizada pelo ideia de fim do mundo, ou começo de um novo, a partir do que o Conclave decidir.

FIM DO MUNDO –  Importante dizer que não precisa seguir nenhum religião ou acreditar em Deus para perceber que Conclave é filme para gente grande (não confundir ‘grande’ com ‘adulto’). Grande no que há de humano em tudo isso. Ajuda, nessa percepção, se o espectador compreender que a humanidade avança também (até mais) pelas dúvidas e não apenas pelas certezas.

E ajuda lembrar que, tocar uma instituição milenar como a Igreja Católica representa sim influenciar, em alguma instância, a relação de 1,4 bilhão de pessoas com questões que fazem o mundo girar. Questão tais como o aborto ou como tratar a causa LGBTQIAPN+, para ficarmos apenas em duas urgências de outras como a presença contemporânea da extrema-direita, o racismo, etc, etc.

Dito isso, fica claro que a eleição de um líder, ou dessa figura que é referência para 1,4 bilhão de pessoas, não é algo trivial.

Conclave não apenas explora magistralmente o tamanho do fardo para um cardeal como Lawrence – fiel a Igreja mas em conflito com a própria vocação – em conduzir a eleição mais secreta do mundo de maneira justa; equilibrando-se entre as lombadas políticas e burocráticas do Vaticano com o diversos atritos, rivalidades e alianças internas, entre os grupos de cardeais que se alinham por ideologia política e não religiosa. Mas afinal, o que deve pesar mais nesta decisão?

Diretor Edward Berger (E) e o ator Ralph Fiennes no set de “Conclave”, Foto de Philippe Antonello

O grande trunfo de Conclave parece ser mesmo a orquestração dada por Edward Berger na forma como coloca os seus personagens para os espectadores. Cada um deles escondendo um segredo – mas nunca estamos certos disso – cuja revelação se tornará, a seu tempo, dentro da narrativa, em momentos de ápice no filme. Três momentos, pelo menos, o que não é pouco para um único filme.

De modo que, nas indicações ao Oscas, Conclave seria (será?) um digno representante também nas categorias de direção, ator (Fiennes), ator coadjuvante (todo o coletivo de coadjuvantes) e trilha sonora, além da categoria de melhor filme e, claro, roteiro adaptado.

Sobre a trilha sonora de Volker Bertelmann… é daquelas que estão lá sem parecerem estar. E que, saindo de lá, diminui o peso da tensão que o filme nos entrega. Conduzida por cordas, ela segue um compasso com um acorde disfarçadamente desafinado pontuando sonoramente as diversas interrogações que flutuam sobre a cabeça de Lawrence a respeito das intenções de seus cardeais.

São visões diversas, do mundo inteiro, sobre a Igreja e sobre como deve ser o futuro da humanidade, com a fé ficando cada vez mais soterrada, em segundo plano. Neste sentido, a solução final de Conclave, com a sua surpreendente conclusão (também fruto de um segredo), é de fazer abrir um sorriso em todos nós e, finalmente, relaxar o cenho do frágil, mas firme, Cardeal Lawrence.

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