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Críticas

Emilia Perez

Eficácia visual para um discurso desafinado

Por Luiz Joaquim | 29.01.2025 (quarta-feira)

Entre tiros de mosquetes e coqueteis molotov ou mesmo pelas granadas virtuais lançadas na guerra das redes sociais que se instalou particularmente nesta temporada do Oscar 2025, o soldado mais ferido parece ser aquele que defende a França.

Emilia Perez (idem, Fra./Mex./Bel., 2024), do diretor parisiense Jacques Audiard, causou surpresa ao mundo na manhã da quinta-feira passada (23) ao despontar como o filme recordista de indicação que concorre na 97ª cerimônia do Oscar, próximo 2 de março.

O filme de Audiard, que já foi agraciado em Cannes 2024 com o Prêmio do Júri e com um prêmio de atuação feminina coletiva, além da trilha sonora, agora concorre aos Oscars de melhor filme, filme internacional, direção, roteiro adaptado, atriz principal (Karla Sofia Gascón), atriz coadjuvante (Zoe Saldaña), fotografia, edição, som, maquiagem, canção original (três vezes, pelas música Mi camiño e El mal). Lembrando que, historicamente, o maior número de indicações para um mesmo filme foi 14. Para A malvada, Titanic e La la land.

A espanhola Karla Sofia Gascón como Emilia Perez

A colossal exposição mundial estimulou as mais diversas e novas leituras sobre o enredo da obra: a história de Manitas (a madrilena Gascón), um violento megatraficante mexicano, de conta bancária com cifras infinitas em paraísos fiscais, e que tem como sonho secreto desaparecer, deixando a esposa Jessi (a texana Selena Gomez) e seus dois filhos para começar uma nova vida, num novo país, como uma mulher, se autonominando a Emilia Perez que dá título ao filme.

Na forma de um musical cinematográfico, a trajetória de Emília só acontece porque o Manitas sequestra a advogada Rita (Saldaña, nascida no estado de Nova Iorque). Promete-lhe riquezas se ela ajudar Manitas na transição para Emilia, algo que a protagonista deseja fazer secretamente.

As redes sociais não perdoam

É aí, no ‘secretamente’, já no início de Emília Perez, que iniciam as contestações de especialistas para as questões de gênero, como as feita por Paul. B. Preciado, filósofo espanhol e respeitado pensador de aspectos  relativos à política do corpo e da sexualidade.

Vide seu artigo publicado no jornal El País no último dia 9; ou as palavras do didático vídeo da atriz Renata Carvalho postado no último sábado (25) em seu perfil de Instagram.

Para além do tópico ‘apropriação racial’, com atrizes norte-americanas e uma europeia interpretando uma história de mexicanas, o material de Preciado e Carvalho destacam problemáticas incontornáveis percebidas em Emilia Perez no quesito da representatividade de personagens transgêneros.

Como pista, podemos citar o trecho em que Preciado explica que o filme “perpetua uma visão psicopatológica da transição de género baseada em quatro premissas: criminalização, exotização etnográfica, representação médica-cirúrgica da transição de género e assassinato. E este último não é um spoiler”.

MAS, E O FILME? Se deixássemos de lado os aspectos sociais e antropológicos que permeiam o filme Emília Perez – coisa que não recomendo nenhum crítico de cinema fazer, nem com Emília Perez nem com qualquer outro filme -, o que sobraria do filme de Audiard?

Sobraria uma acuidade técnica louvável. Daquelas que fazem o espectador pensar imediatamente após o que viu: “Hey, que solução interessante sintetizando com uma imagem um tanto de volume de informações para a narrativa!”. Isso sem contar no sempre desafio de construir um desenho de som para musicais e montá-lo de maneira que não soe tão maluca a ideia de uma pessoa começar a cantar no meio de uma situação trivial da vida, ou no meio de uma conversa.

Selena Gomez acorda cantando, como Jess em “Emília Perez”

À propósito das inserções musicais e suas soluções de edições, dá para dizer que alguns tem um refinamento de encher os olhos, quase gritando para nós que aquilo requereu muito e muito ensaio. Outras, mais modestas, podem ser percebidas apenas como o desenvolvimento de um videoclipe endinheirado, e não de uma peça cinematográfica.

Seja por um caminho ou pelo outro, Zoe Saldaña se destaca fortemente. Se houvesse um indicativo de gradação de boa presença em cena para Emília Perez, Saldaña apareceria com destaque, Galcón como satisfatória e Selena como aquela que destoa.

Zoe Saldaña, um grande destaque, como a fiel Rita

Sobraria também do filme seu claro desejo de abraçar o mundo com as pernas. Espécie de megalomania cinematográfica, no sentido dele transitar, de maneira falha, por uma salada de gêneros. É um musical que começa quase como uma comédia, entra no clima do suspense, vira um drama familiar, é acometido por pitadas de romance e encerra como um policial (ruim), condenando a protagonista à danação eterna.

Encerramento que pode ser lido (e já foi, por algumas) como uma espécie de punição feita pelo próprio filme àquela protagonista trans. Punição da qual a imagem de encerramento do filme procura se redimir, santificando Emilia, divinizando-a. Mas, ei, será que é a beatificação que o corpo feminino trans está precisando neste momento de um mundo tão hostil a este corpo?

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