X

0 Comentários

Festivais

28º Tiradentes (2025) – Batguano Returns

Entre a irreverência e o luto, um road movie de expurgo

Por Marcelo Ikeda | 01.02.2025 (sábado)

Batguano Returns é um curioso caso de sequel dentro do cinema independente brasileiro. Os sequels são parte da consolidação de marcas e universos mais associados ao cinema de estúdio. Lembro de raros casos, como o de Boleiros 2 (2006) ou Estômago 2 (2024). No caso de Batguano, a continuação é ainda mais inusitada, pois pensamos: o que pode vir depois de Batguano rs?

O indefectível casal Batman e Robin é retomado num cenário pós-apocalíptico com um elemento que motiva o retorno: o enclausuramento devido ao surto da COVID-19. É curioso pensamos que Batguano 1 é um filme em que os dois personagens estão num cenário enclausurado, presos em sua própria casa, num regime de exceção. As analogias com Batguano 2 surgem a partir daí, mas ao mesmo tempo, grande parte do filme opera num deslocamento: Barguano 2, como seu próprio subtítulo afirma, é um road movie, em que Robin (Tavinho Teixeira) passa quase todo o tempo na estrada. Para onde ele vai? O que busca? Não sabemos. Batman (Everaldo Pontes) surge, então, quase como uma presença espectral, um fantasma que ao mesmo tempo é quase um robô de inteligência artificial, que Roben não pode mais ignorar. Batman atua pela voz, uma presença fantasmática descorporizada que tenta tragar Roben para o mundo do capital, a institucionalização do pragmatismo. Batman não é mais um corpo, mas talvez um robô de IA. Roben no fundo embarca na estrada para tentar fugir, mas a voz é onipresente, e dela parece não haver saída possível.

Robin tenta escapar do mundo do capital, mas há saída?

Nessas cenas dentro do carro, Batguano 2 parece ser um filme caseiro experimental. A princípio, a comédia parece ser ainda mais rasgada, com Roben sempre ao volante em meio a monólogos ou em conversas com Batman. Mas aí surge um elemento radicalmente oposto que desloca essa camada de irreverência: recebemos a informação de que o diretor Tavinho Teixeira perdeu os pais (tanto a mãe quanto o pai falaceram num intervalo de tempo de 24h) em decorrência da COVID-19. Assim, Batguano torna-se um filme de estrada de expurgo, em que Tavinho (ator-personagem-diretor) reflete sobre a influência dos pais em sua vida, em termos de sua relação de afetividade mas também de recusa desse universo, especialmente no que tange à aceitação de sua sexualidade. Apesar de os amar, Tavinho desfia suas angústias em relação às suas diferenças, em se aceitar gay e artista, ao preferir fazer poesia do que empunhar uma arma. É comovente como Tavinho expressa seu conflito geracional em um filme carregado com tantas tintas de irreverência. É essa combinação bem particular entre o foro íntimo familiar e a irreverente fábula política que fazem de Batguano 2 uma experiência bastante singular.

Roben não quer se vender, quer ser apenas ele mesmo. Tenta fugir da influência do universo dos pais para seguir seu próprio caminho. Tenta se desvencilhar das pressões de Batman em tragá-lo para o rumo do poder e do capital. Na estrada, sozinho, Tavinho tenta prosseguir, mas parece tender ao fracasso. Roben no fundo precisa se libertar dos pais e de Batman para poder prosseguir. Mas sem eles acaba miserável. Ao final, ficamos com a sensação de que ele se rendeu ao inevitável apelo de Batman. A casa encapsulada, quase como a redoma de vidro de Rosebud, é atirada para fora da casa-carro na estrada. Triturados os sonhos de infância por um governo homicida, Batguano 2 me pareceu, por trás de sua irreverência escrachada, um filme profundamente pessoal, uma viagem íntima de expurgação do luto – e um retrato honesto dos limites de uma geração à deriva, entre seus dilemas pessoais e um mundo cada vez mais materialista aparentemente indiferente.

Mais Recentes

Publicidade

Publicidade