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Festivais

28º Tiradentes (2025) – Resumo da Ópera

Uma fábula futurista entre teatro e cinema.

Por Marcelo Ikeda | 01.02.2025 (sábado)

Resumo da ópera inicialmente surge como um espetáculo de teatro. Em decorrência da pandemia e com recursos da Lei Aldir Blanc, surgiu um desejo de diálogo entre duas companhias de teatro cearense: No barraco da Constância tem! e Teatro Máquina. O espetáculo Ning foi concebido para ser produzido, ensaiado e estreado no Theatro José de Alencar, em Fortaleza. A partir de então, houve o desejo de transformá-lo em um longa-metragem. Depois das filmagens, a parceria com a produtora Marrevolto foi fundamental para todos os processos de pós-produção. 

Eis então uma parceria entre teatro e cinema. No entanto, Resumo da ópera leva esse diálogo entre as duas artes para outros patamares por não propor uma mera transposição do palco para as telas. Nada de palco italiano ou de teatro filmado. A inventividade ocorre por meio de uma “transcriação” – utilizando a expressão dos irmãos Campos – que potencializa a dinâmica cênica por instaurar uma potência cinética cinematográfica.

Resumo da ópera é uma fábula futurista, em que Ning tenta articular uma revolta contra um império cosmonauta. O que está em jogo é a liberdade do indivíduo e o poder do coletivo diante da opressão do mundo do poder. Confesso que não consegui mergulhar tanto no texto, uma vez que meus sentidos ficaram totalmente preenchidos com a vertigem causada pela mise en scène. O texto funcionou para mim mais como energia sonora emanada pelo elenco do que propriamente pelo significado em si emanado pelo texto. De todo modo, a palavra, ainda que como energia sonora, se converte em forte elemento cênico que preenche e reverbera pelo espaço. A palavra vertigem é adequada para expressar a profusão de sentidos resultante de uma experiência eminentemente sensorial: não apenas pelo enorme balé da câmera, que sobe e desce escadas, transita do plano geral ao detalhe, e chega a inclusive girar em torno do próprio eixo, causando um torpor físico, mas também pela interação entre as diversas linguagens, cinema, teatro, performance, música, artes visuais. Sem dúvidas, para tanto, é fundamental o extraordinário trabalho da câmera, operada por um dos diretores, Breno de Lacerda. Já no primeiro plano, movimentos circulares de 360 graus já apresentam a dinâmica que caracteriza todo o filme. Os planos sequência dominam o filme, com movimentos incessantes que atuam na produção de uma experiência sensorial única, e que nesse sentido afasta o filme de uma experiência teatral. Ou seja, teatro e audiovisual se fundem para produzir uma outra coisa, que não é bem teatro e também não é bem cinema, tornando a obra um corpo estranho que talvez seja mais próxima das artes visuais.

Em “Resumo da Ópera”, a câmera não apenas registra, ela dança.

Resumo da ópera se passa num espaço fechado, o centenário Theatro José de Alencar (TJA). O filme percorre, de forma criativa, toda a arquitetura do teatro, envolvendo não apenas o palco principal, mas as cadeiras da plateia, as coxias, os corredores, as escadas, o hall de entrada e todos os demais espaços possíveis, do chão ao teto. É possível também ver Resumo da ópera como um mergulho pelas entranhas da arquitetura do teatro como organismo vivo, e é louvável como o espaço cênico é desmontado ao longo do filme. Passado em uma única locação interna, que funciona como umm estúdio, curiosamente é possível aproximar Resumo de Girassol Vermelho, de Éder Santos, exibido na abertura. Ambos os filmes estão menos preocupados em instaurar uma dramaturgia de roteiro mas preferem instaurar ambiências provocadas pela relação entre imagem e som. Ambos são fábulas futuristas totalmente não realistas que incorporam aspectos de outras esferas artísticas para propor uma fábula política sobre a liberdade diante de um regime de opressão – daí sua atualidade. Mas enquanto Girassol vermelho concentrava-se na identificação com um personagem oprimido (Chico Diaz), em Resumo da ópera o movimento é coletivo, que se relaciona, em última instância, com a própria dinâmica da composição dos coletivos teatrais. Ainda, se em Girassol vermelho filma-se em um estúdio, construído a partir de uma cenografia, já em Resumo trata-se do próprio TJA, visto como uma locação, que inclusive guarda marcas históricas em sua arquitetura.

Se a proposta da curadoria deste ano de Tiradentes é investigar “que cinema é esse?”, Resumo da ópera contribui ao explorar a relação do audiovisual com outros processos artísticos, resultando em uma experiência sensorial fascinante, um corpo híbrido que promove outras conexões do campo audiovisual.

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