X

0 Comentários

Festivais

75ª Berlim (2025) – 1001 Frames

Um teste de elenco ao estilo iraniano

Por Ivonete Pinto | 17.02.2025 (segunda-feira)

Como todo grande festival que se preza, não poderia faltar um filme iraniano. E um festival marcadamente político que é o caso da Berlinale, 1001 Frames vem muito a calhar, pois traz a denúncia de assédio em um teste para elenco de uma produção que recria o clássico “As Mil e Uma Noites”. Dezenas de mulheres se candidatam ao papel de Sherazade, no teste conduzido pela diretora, Mehrnoush Alia, em sua estreia em longa-metragem. Assim, tem-se o tema do cinema, embalado pelo traço cultural exótico do Oriente e, agora, somado à necessária agenda feminista.

Só nesta rápida sinopse o leitor cinéfilo já associa o tema e o  formato do filme com Salve o Cinema, de Mohsen Makhmalbaf (1995). Nele, centenas de candidatos apareceram para fazer um teste de elenco. As entrevistas revelando o perfil humano de cada um, seus sonhos, o que significa o cinema no Irã, a relação umbilical com o neorrealismo italiano.

Seria então uma mera apropriação do título de Makhmalbaf não fosse a diretora Mehrnoush Alia atualizar a ideia de um teste de elenco no contexto do #metoo. Atrás da câmera temos apenas a voz do diretor a entrevistar e instruir as candidatas, mulheres de várias idades. A idade é importante ser citada, porque quanto mais jovens, mais vulneráveis ficam diante do assédio do diretor. Elas estão sozinhas com ele no estúdio, sentem-se desconfortáveis, mas afinal, não sabem se é “assim que funciona” um teste. Com as mais velhas, a percepção das intenções do diretor ficam claras e a recusa, com maior ou menor intensidade, surge mais rapidamente.

Em um ambiente de tensão, a linha entre oportunidade e exploração se torna cada vez mais tênue.

Seria uma história quase corriqueira e, portanto, déjà vue, não fosse o Iran ser uma república teocrática, regida pela Sharia, com as leis vindas do Corão. Em tese, este tipo de assédio não aconteceria porque o sujeito seria enforcado se os juízes aplicassem as leis. Mas pela posição “de poder” de um diretor conhecido e premiado, nada aconteceria. E este dado, naturalmente, é jogado o tempo todo. Se até em Hollywood isto deu/dá certo…

O interesse principal do filme está, desta forma, em acompanharmos como um assediador conduz seus intentos, que tipo de abordagem faz com cada mulher, de acordo com as primeiras informações obtidas na entrevista. O roteiro, neste sentido, é feliz ao expor métodos que envolvem ameaças e tentativas de sedução. Em meio ao grupo de mulheres, também é possível perceber a reação das mais conscientes, ou seja, as mais feministas, que não se deixam enganar, mesmo querendo muito trabalhar em um filme que pode mudar suas vidas.

Como objeção, um final  um tanto frágil, que apela a um traço de estilo comum a certos filmes iranianos e que, neste caso, é pouco satisfatório. Ficou muito enigmático? Veja o filme quando estrear nos cinemas ou, mais provavelmente, no streaming. Detalhe: 1001 Frames tem coprodução com Estados Unidos e a diretora Mehrnoush Alia vive entre Nova York e Teerã.

Mais Recentes

Publicidade

Publicidade