X

0 Comentários

Festivais

75ª Berlim (2025) – The Light

Novo Tom Tykwer não correu o suficiente

Por Ivonete Pinto | 13.02.2025 (quinta-feira)

A 75ª edição da Berlinale abriu fora de competição com The Light, de Tom Tykwer, um dos mais conhecidos e festejados diretores alemães, principalmente por Corra, Lola, Corra (1998). 

The Light, com de duração de 2h42 minutos, apresentou um visível  tecido adiposo. Não por sua duração em si, pois que não há problema quando o enredo, associado ao estilo e à linguagem, predispõe uma certa extensão. Neste caso, a gordura não tem função na narrativa. Há subplots demais em torno da  família Engels, pai, esposa, um casal de filhos adolescentes e sua nova empregada, a imigrante síria  Farrah (Tala Al-Deen). 

O pai, vivido por Lars Eidinger (do ótimo Dying)  é uma espécie de consultor de uma fundação humanitária que tenta resolver os problemas do mundo a partir de Berlim. A cidade, aliás, opera como um personagem a representar uma ideia de Europa culpada, que com seu dinheiro e má consciência, tentam amenizar as consequências da geopolítica que eles mesmos criaram desde sempre. 

Em The Light, apesar de trazer questões atuais e provocadoras, o roteiro desorganizado e a duração excessiva comprometem o impacto do filme.

A mãe (Nicolette Krebitz)  vive de modo alucinado atrás de dinheiro governamental para um projeto de um centro de cultura em Nairóbi. Quando o dinheiro não rola, mas a população de Nairóbi segue a vida normalmente, seu mundo vem abaixo. 

O filho adolescente (Dio/Elyas Eldridge) passa o tempo todo trancafiado no quarto, envolvido em games (ou algo assim) e a menina (Zazie/ Ruby M. Lichtenberg) se martiriza porque não sabe a razão de não ter desejo sexual por ninguém. Ambos são rebeldes, radicais, críticos ferozes ao comportamento pseudamente progressista dos pais.

Quando Farrah entra em cena, surge como ombro de apoio que a todos recorrem. Ao mesmo tempo, a personagem não foge da representação do estrangeiro exótico, tão passível de questionamento. É dela que parte a tal luz do título do filme. Uma engenhoca tosca, tipo luz estroboscópica, que permite experiências sobrenaturais para o autoconhecimento. Ou algo assim. Farrah, como personagem central, faz às vezes da figura do intruso eternizada por Pier Paolo Pasolini em Teorema, que o cinema não cansa de retomar aplicando todas as variações possíveis (ver o mais recente filme de Bruce Labruce, O Intruso). 

Agonia – Cada personagem tem sua história, com direito aos seus próprios sonhos e devaneios. Eles acontecem algumas vezes pela entrada intempestiva de  números musicais e até de uma cena em animação (que funcionou muito bem, aliás, ponto alto do filme). 

O problema é que Tom Tykwer resolveu desenvolver todos os arcos dos manuais de roteiro a que tinha e não tinha direito. E, claro, ao aproximar-se de um desfecho, teve que retomar ao início, aquele  do experimento físico psicodélico da síria Farrah.  No final, ou quando achávamos que era o final, temos uma sequencia interminável com os personagens resolvendo seus problemas de forma metafórica. Isto talvez para não desperdiçar o esforço de produção, que criou uma gigantesca piscina onde os personagens simulam a agonia de imigrantes que perdem a vida em alto mar. É para ser dramático, terrivelmente dramático, porém a estas alturas o interesse do espectador já está bem comprometido.

O diretor Tim Tyker dirigie cena de “The Light” (2025)

É bastante positivo, porque provocador, que as vulnerabilidades e as contradições dos europeus brancos sejam discutidas frente à crise migratória, os movimentos identitários e toda agenda atual. Berlim, como uma das cidades mais cosmopolitas do mundo e para aonde converge boa parte dos imigrantes, reverbera tudo isto. Com as eleições legislativas agora em fevereiro e o avanço da extrema direita, de novo, o filme de Tom Tykwer tem um frescor inegável.

O personagem defendido pelo ator Lars Eidinger (que mantém a aparência de cabelo sujo em todos os filmes, um traço autoral?) é ilustrativo da ideia central de The Light. Não basta ser um cara legal, consciente e ético, porque isto não lhe garante a paz. Ele está perdido, não sabe como  salvar o mundo, nem a si próprio. Mesmo que o filme aponte para valores ligados à família, a sensação é de que estamos perdidos e desesperados mesmo.

A lamentar, como indicado no início do texto, que o roteiro não tenha sido feliz na forma  apresentar tudo isto. Inevitável deixar no espectador a vontade de gritar, contra as desgraças do mundo e a lentidão do filme: corra, Tykwer, corra.

Mais Recentes

Publicidade

Publicidade