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Festivais

75ª Berlim (2025) – Yalla Parkour

Yalla Parkour e a morte

Por Ivonete Pinto | 20.02.2025 (quinta-feira)

Em comentários aqui e ali, especialmente da crítica cujo rigor costuma e deve ser maior, esta edição da Berlinale está fraca. De modo geral, os filmes de todas as seções são ok, mas poucos, muito poucos, se destacam.

Mesmo tendo visto, até aqui, um número reduzidos de filmes frente à imensa programação, é possível afirmar que o documentário  Yalla Parkour consegue arrancar do público uma reação mais emocionada. Naturalmente, o contexto é determinante para isto.

Dirigido pela palestina que vive nos Estados Unidos, Areeb Zuaiter, é uma coprodução com Suécia, Arábia Saudita e Qatar, tendo  Gaza como cenário.

Seria imprudente concluir que a Palestina, em si, é o único apelo para que um filme alcance méritos artísticos. Claro está que o momento é mais sensível por conta das óbvias razões da indefensável ocupação, mas a documentarista, em seu debut no longa-metragem, é feliz na opção de não dar corpo ao conflito. Os prédios destruídos e a história das pessoas que crescem sem conhecer o mar (que é logo ali), fala por si. 

O parkour viraliza nas redes. Para os jovens de Gaza, é fama, dinheiro e sonho de visto.

O ativismo pode  contemplar um conceito largo, onde os discursos pró ou contra não precisam ser explicitados. Respeita-se, assim, o repertório de informações e ideias dos espectadores. No entanto, tal escolha da direção assume riscos evidentes. Como mostrar Gaza sem a frontalidade do tema Israel-Palestina?

O tema do filme, como o título sugere, é o parkour, esse negócio maluco que jovens fazem para se exibir, ultrapassar limites, duelar com a morte, viralizar, não importa a ordem desses fatores.

Areeb Zuaiter usa material de arquivo do próprio personagem central, Ahmed Mata, captado durante mais de uma década para suas redes sociais. Somadas as imagens de treinos, onde as quedas de jovens se esborrachando nos escombros de Gaza dão o tom, temos também as constantes conversas pela internet da diretora com Ahmed Mata O montador Phil Jandaly foi hábil em construir uma narrativa que ao mesmo tempo conta a vida desses jovens e a saga de um não-lugar. 

O reconhecimento, a partir da viralização dos vídeos, permite  o tão sonhado visto para a Europa. Situações que acompanhamos sempre através de filmagens domésticas, cuja qualidade graças à pós-produção de sons e imagem é outro ponto forte.

Porém o que é mais importante registrar, talvez, nem esteja na forma do filme, super eficiente. Por que cargas d’água um jovem, vivendo no inferno que é Gaza, sem permissão para sair daqueles poucos quilômetros quadrados, e sem vinculação com Hamas & companhia, por que fica desafiando a morte escalando ou pulando de prédio em prédio? Já não basta o horror ao redor? 

A exibição nas redes sociais deste tipo de “esporte” praticado em arranha-céus, muros e janelas mundo afora seduziu os meninos de Gaza também. Além da fama, os vídeos podem gerar dinheiro e, no caso deles, um visto para a Europa. 

A morte ronda o filme. Gaza como um lugar que desaparece.

Mas a questão da morte ainda está lá. A pulsão de morte, na conhecida interpretação de Freud, é onipresente no filme de uma maneira desconcertante, paradoxal. 

Se por um lado acompanhamos com interesse o crescimento da criança que era Ahmed, até a fase do exílio na Suécia, e a saudade da família, por outro temos as inúmeras sequências de acidentes com  jovens da turma de Ahmed se quebrando. No imaginário de quem está  longe daquele centro de conflitos, parece que a ideia é de lutar pelos direitos de sua terra, de lidar com as perdas, de sobreviver, enfim. Parkour e tânatos surgem para complicar tudo.

O documentário não faz estas elucubrações. Ocupa-se, principalmente, em trazer o ponto de vista humano de alguém que cresceu e saiu de lá, como a diretora e o jovem Ahmed. A morte, entretanto, como tema e como dado real, fica rondando as especulações. A  morte, também, no sentido do desaparecimento de um lugar. O filme acaba um pouco antes do fatídico 7 de outubro de 2023. Os desdobramentos deste dia seguem chocando o mundo e em Berlim, até aqui, os palestinos têm a solidariedade do público.

Só o tempo para julgar se um documentário como Yalla Parkour será reconhecido pelo seu teor político. Não trazer para o discurso  a ocupação israelense está no direito da diretora, reclamar disto também. Não se pode, contudo, negar que o sofrimento não esteja lá.

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