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Críticas

Emilia Perez (texto #2)

Perda de protagonismo enfraquece proposta do filme

Por Paulo Henrique Silva | 28.02.2025 (sexta-feira)

Entre os problemas mais visíveis de Emilia Pérez, em cartaz nos cinemas, está o apagamento da protagonista nos 30 minutos finais, prejudicando o seu desenvolvimento na narrativa. E não estamos falando da personagem-título, vivida por Karla Sofía Gascón. Maior concorrente do Oscar, com 13 indicações, e alvo de muita polêmica nos últimos meses, o filme erra a mão ao “tirar de cena” a advogada Rita Mora, interpretada por Zoe Saldana (na foto acima).

Apesar de o título e das premiações apontarem Emilia como nome central da história, é com Rita que o filme começa e termina. Ela assume a condução da narrativa, a partir da apresentação de uma mulher muito empenhada, mas que sofre com a sociedade patriarcal. Ganhará a grande chance de sua vida, mas terá um preço a pagar. É um tipo de trama já visto em outras obras, mas Emilia Pérez traz alguns diferenciais.

Emilia (Gáscon), protagonista?

O mais importante deles é o formato musical. Com raríssimas exceções, o gênero tem como característica simplificar ou idealizar questões, permitindo-se quebrar algumas convenções que vão além da falta de realismo no momento dos diálogos cantados. Também pode transformar cenários em elementos fantasiosos e até mesmo produzir um filme inteiro passado no México sem o elenco colocar os pés no país.

A ausência de locações reais é uma das principais críticas ao longa de Jacques Audiard, além de problemas com o vocabulário usado por mexicanos e da imagem do país ligada ao universo do crime. São concessões típicas do musical – ou alguém acha que Horizonte perdido (1973) foi realmente rodado nas montanhas do Himalaia? E que Lars Von Trier fez Dançando no escuro (2000) nos Estados Unidos?

Um musical também é capaz de suavizar, pelo seu propositado distanciamento com o mundo “real”, o peso de um enredo policial, por exemplo. Quando Rita visita a sede de uma gangue comandada por Manitas, tudo é muito indeterminado, escuro e enigmático. A violência só é sugerida. O que vale para todo filme. Vale lembrar que, ainda que de uma forma contextualizada, Sujo (representante mexicano no Oscar) também exibe um país dominado por cartéis.

Assim, esse México violento surge, por conta desses contrapesos, mais a reboque da tentativa de transformação (física, identitária e de índole) de Emilia, um ex-mafioso que resolve fazer a redesignação sexual e abandonar o crime. Esse ponto de partida não caberia, dentro da cartilha masculinizada de violência, num filme policial mais tradicional. É uma transposição de códigos só possível no gênero musical.

A “ousadia” de Audiard é redefinir um mote comum às produções de ação, em que um homem de passado violento tenta mudar o rumo de sua vida em busca de uma redenção. Mas o mundo de crimes não se esquece dele e terá que acertar contas mais tarde. Muitos filmes já foram realizados com essa premissa – podemos citar de Os imperdoáveis (1992) e Marcas da violência (2005) a Homem-aranha 2 (2004) e Mad Max – A estrada da fúria (2015).

Não deixa de ser curioso que esse processo de redenção de Manitas/Emilia acontece quando ele/ela se torna mulher, estabelecendo a dicotomia entre homem (mal) e mulher (bem). Essa ideia dá o tom do filme, desde o trabalho da advogada Rita, que passa a ter um viés mais social no trabalho, passando pela entrada da esposa de Manitas, Jessi (Selena Gomez). Todas as mulheres carregam traços positivos.

Emilia (Gascón) e Rita (Saldanha) em cena do filme.

Está aí a principal mensagem de Emilia Pérez, ao sugerir que deixemos fluir o lado feminino para tornar o mundo menos desequilibrado. O mais simbólico disso é quando Emilia se enamora não de um homem, mas de uma mulher que sofria violência doméstica. É importante lembrar ainda que todas as cenas musicais do filme são encabeçadas pelas personagens femininas (há uma e outra participação masculina).

Ao passar um maior protagonismo a Emilia, do meio do enredo em diante, Audiard perde o foco em Rita. Ela repentinamente deixa de ser a condutora, com o longa não acompanhando a sua história com a mesma intensidade de antes. Embora o filme se feche com a advogada, como uma espécie de sucessora das atividades da ex-criminosa, essa não é uma questão bem resolvida na trama, já que os ideais parecem impostos por Emilia.

Esse desacerto é crucial para entender boa parte das críticas à construção do universo de Emilia, especialmente no que diz respeito ao corpo e à sexualidade, culminando em graves problemas de representatividade. Tanta polêmica não se faria presente, possivelmente, se desse um protagonismo de verdade à personagem, do início ao fim, fazendo-a ganhar holofotes na segunda parte sem responder a questões essenciais – um superficialidade imperdoável até mesmo para um musical.

Leia também crítica de Luiz Joaquim para Emilia Perez

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