Homens de Barro
Shakespeare nos pampas
Por Ivonete Pinto | 06.02.2025 (quinta-feira)
Sempre é uma boa notícia para o cinema brasileiro quando uma coprodução é lançada. É o caso de Homens de Barro, coprodução com a Argentina. O argentino Fernando Musa assina a codireção e a produção executiva. Rodado no Rio Grande do Sul, com elenco gaúcho e argentino, tem direção da gaúcha radicada no Rio de Janeiro, Angelisa Stein. A trama envolve duas famílias rivais e uma atração fatal.
Não é a primeira vez que o estado gaúcho é cenário de longa-metragem com protagonistas LGBTQIA+. A dupla Filipe Matzembacher e Marcio Reolon já dirigiu três títulos: Beira-Mar, Tinta Bruta e acaba de emplacar na seção Panorama da Berlinale Ato Noturno, igualmente trazendo personagens gays masculinos. Sem esquecer que Fabiano de Souza dirigiu Nós duas descendo a escada, sobre relacionamento amoroso de duas mulheres.
O que Homens de Barro tem de diferente é que a história se passa no interior profundo do Rio Grande do Sul. Um interior de fronteira, não datado nem especificado, mas que exala conservadorismo. Está claro que se trata de um “amor proibido”. Essa proibição, além do interdito da sexualidade, acontece também porque se dá entre dois jovens cujos pais eram inimigos de morte. Os meninos, impedidos até de brincarem juntos, na fase adulta vão acabar na cama (Pássaro/Gui Mallmann e Ângelo/João Pedro Prates).
A tragédia anunciada está no material de divulgação do filme, que ressalta o parentesco com Romeu e Julieta. E é neste ponto que o filme pode ter um interesse mercadológico, já que a história deveria funcionar para um público-alvo adolescente, nicho com poucas ofertas no cinema brasileiro.
Essa versão brasileira-gaúcha das famílias Montequio e Capuletto, teria, em tese, tudo para atrair público. E tomara que a distribuição da O2 Play, com sua expertise de lançamentos, encontre seu público entre estudantes de ensino médio (as cenas de sexo são tímidas, não abalariam os mais sensíveis). Afinal, normalizar relações de pessoas de mesmo sexo é algo que adolescentes deveriam entender como sinal de avanço da sociedade.
Já para estudantes de graduação em cinema, talvez não se recomende. O filme tem evidentes problemas na sua forma, a começar pela narração reiterativa, lançando mão do velho recurso dramatúrgico do diário. A mesma lógica da repetição (o que ouvimos é o que vemos na tela), acontece com a trilha musical. Onipresente, martela o espectador em todas as cenas, sem trégua, reforçando ou direcionando os momentos dramáticos por si só já explícitos. Desta forma, o público recebe as informações de três fontes diferente ao mesmo tempo: imagem, texto e música.
E a despeito do inequívoco valor do tema, é preciso dizer que Homens de Barro pode ser acusado de punir essas relações, porque a morte costuma ser um ato punitivo em histórias que tratam de amores não convencionais. E não vai aqui nenhum spoiler, pois todos, mesmo que Shakespeare não seja ensinado nas escolas, sabem o que acontece com Romeu e Julieta.
Embora seus tropeços formais, a temática relevante e a fotografia sempre primorosa de Bruno Polidoro, resultam em elementos que ajudam a direção de Angelisa Stein. Experiente como produtora executiva (trabalhou, por exemplo, em Zama, de Lucrecia Martel), Stein faz aqui sua estreia na direção de longa-metragem. A produção entra em cartaz em Porto Alegre dia 06 de fevereiro e ganha outras capitais a partir de 13 de fevereiro.
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