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Críticas

Sing Sing

Intervenções Divinas: Atuar como forma de seguir com os olhos abertos

Por Luiz Joaquim | 11.02.2025 (terça-feira)

Atuar é dar vida às palavras. Mas não apenas a elas, claro. Uma pequena expressão facial/corporal pré-calculada, por si só, comunica e pode emocionar. O filme Sing Sing (idem, EUA, 2023) dirigido por Greg Kwedar e entrando em cartaz nesta quinta-feira (13), navega muito bem por esses dois canais da atuação.

E o primeiro elogio aqui vai para a sua capacidade de extrapolar a expectativa óbvia de um argumento que é pautado pela superação, a partir do teatro, de um grupo de detentos no presídio Sing Sing, no estado de Nova Iorque.

‘Superação’ talvez não seja o termo apropriado. ‘Resiliência’ e a capacidade de buscar um equilíbrio dentro de um contexto sufocante traduzem melhor o que vive Divine G. (Colman Domingo, magnético e concorrendo ao Oscar de Melhor Ator).

É na intimidade das conversas no pátio do presídio ou no cárcere com o amigo Mike Mike (Sean San Jose), que ouvimos da boca de Divine G. sobre sua inocência e a injusta condenação por mais de 20 anos de prisão. Nesse contexto, a situação “mosca na parede” em que somos colocados a partir das lentes do fotógrafo Pat Scola nos torna testemunhas da honestidade de Divine G., derrubando irrefutavelmente qualquer dúvida sobre a sua inocência.

Sabemos, portanto, que estamos ao lado de um protagonista que se divide em perseverar na prova da sua inocência perante o sistema judicial, ao mesmo tempo em que dá vazão àquilo que o faz sentir-se vivo, livre: o teatro.

Como cofundador do Rehabilitation Through the Ars (RTA, Reabilitação Através das Artes) – programa que realmente existe no universo carcerário norte-americano -, Divine G. não apenas atua mas também cria suas próprias peças.

Auxiliado pelo dramaturgo e diretor de teatro Brent (Paul Raci, de O som do silêncio) Divine G. é uma espécie de ‘faz-tudo’ na, vamos assim chamar, companhia teatral de Sing Sing. Trabalha, inclusive, atualizando o elenco a cada nova produção, de modo a abrir oportunidades a outros detentos.

Brent (Raci, à esquerda), e os atores-detentos de Sing Sing esperando por uma aprovação

É aí que entra Divine Eye (o ator Clarence Maclin – indicado ao Oscar de coadjuvante – interpretando a história de sua própria vida). Conhecemos Eye como um traficante violento dentro de Sing Sing, que é cooptado por Divine G. para tentar uma vaga na próxima produção do RTA.

Sing Sing, o filme, nos conduz, então, por essa lenta e complexa mutação de Eye – de um bicho violento, assustado e perigoso – para alguém que começa a compreender o sentimento de empatia a partir da atuação. Ao mesmo tempo, o filme nos familiariza, em competente equilíbrio, com as circunstâncias de cada um dos atores da RTA em cena.

Divine Eye (Maclin) e Divine G. (Domingo): Gigantes envolventes

David Giraudy, Patrick Griffin, Mosi Eagle, James Williams, Sean Dino Johnson, Dario Peña, Miguel Valentin e Jon-Adrian Velazquez, entre outros que vemos no filme, são ex-detentos e atores-fruto do trabalho real feito pelo programa RTA.

Para além do aspecto ‘libertador’ e ressocializante proporcionado pelo programa, há dados reais, inclusive, apontando que a média nacional de reincidência nas prisões dos Estados Unidos é acima de 60%. Já entre os participantes do RTA o percentual é abaixo de 5%.

De modo geral e muito bem modulado pelos seus 107 minutos de duração, Sing Sing  apresenta uma clara capacidade de entregar mais do que necessariamente precisaria entregar. E o que seria isso?

Ir além de narrar uma história interessante e inspiradora e nos oferecer aquilo que nos faz abrir ainda mais os olhos (e a mente) durante alguns trechos mostrados despretensiosamente mas carregados por uma intensidade dramatúrgica monumental. Sendo o rosto de Colman Domingo ou o de Clarence Maclin a paisagem pela qual olhamos sem piscar, tentando decifrar o tanto de dor que aqueles personagens trancados em si mesmos processam internamente.

O rosto como paisagem dramatúrgica. Tudo o que um bom ator precisa.

Greg Kwedar, sabedor do que tem a mão (atores talentosos + texto envolvente), portanto, não erra quando insiste em tantos closes nos rostos de seus protagonistas e coadjuvantes.

Sing Sing soa, assim, quase como um filme obrigatório – mas uma ‘obrigatoriedade’ com a leveza do prazer -, para aqueles cujo ofício é atuar. Isso porque há aqui uma inteligência, na verdade o resultado de um inspirado e esforçado trabalho, em nos fazer acreditar e nos emocionar a partir de falas. Mesmo que elas sejam o mais repetido monólogo que o teatro conhece:

“Ser ou não ser, eis a questão.

O que é mais nobre? Sofrer na alma

As flechas da fortuna ultrajante

Ou pegar em armas contra um mar de dores

Pondo-lhes um fim? Morrer, dormir”.

Lidas assim, as palavras pretas e encadeadas sob o fundo branco de uma tela dizem uma coisa. Vividas por um ator, dizem outras. E, bem ditas, podem transformar quem as diz ou quem as escuta.

E é pelas modulações do ator, portanto, que se esconde (ou se escancara) a arte de atuar.

Em tempo: Além da estatueta de melhor ator e ator coadjuvante, Sing Sing concorre também pelo Oscar de Canção Original

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