
Antônio Bandeira: O poeta das cores
Da aurora ao crepúsculo de um cearense iluminado e luminoso
Por Luiz Joaquim | 06.04.2025 (domingo)

Como é bom (re)descobrir brasileiros iluminados. Com a chegada aos cinemas do País nesta quinta-feira (10) de Antônio Bandeira: O poeta das cores (Bra, 2025), seu diretor, Joe Pimentel, nós dá a chance de acessar esse prazer por um documentário ainda que tradicional em seu formato, mas com uma impressionante riqueza analítica sobre o percurso do artista plástico cearense do título do filme. E, ainda, oferecendo projeções sobre o que Bandeira poderia vir a ser para o cenário mundial caso não tivesse nos deixado tão prematuramente em 1967, em Paris.
As pinturas propriamente, de Bandeira, também ganham belo tratamento na tela do cinema, como era de se esperar. O que por si só já é valioso para apreciadores, estudiosos, estudantes ou para qualquer pessoa sensível que, em alguma instância, se conecte com o lirismo das formas e cores no abstracionismo de Bandeira.
E é valioso não apenas pelo prazer visual do espectador mas pelo fato de que muito de sua produção está sob a posse de colecionadores particulares e, em consequência, sendo de pouco acesso ao público comum.

Prazer visual, sensações para o espírito
O diretor Pimentel – figura prolífera e valiosa no audiovisual cearense, mas talvez mais lembrado fora de lá por Bezerra de Menezes: O diário de um espírito (co-assinado com Glauber Filho) – apresenta como fio condutor de sua narrativa o sobrinho do cinebiografado (o também artista Francisco Bandeira) deambulando por Paris pelos mesmo lugares que o tio trilhou quando lá morou por três momentos de sua vida.
Pimentel e sua equipe aproveitam os traços físicos e da feição de Francisco com os do seu tio para somá-los a um figurino e caracterizá-lo como se fosse o próprio Antônio caminhando ali nas ruas de Paris.

Francisco caracterizado como Antônio Bandeira
O efeito é bom, lembrando um Meia-noite em Paris, de Woody Allen, com esse Antônio Bandeira ‘cinematográfico’ (na verdade Francisco) deambulando pela Cidade Luz ao som de um jazz woodyalleano, como se fosse o personagem de Owen Wilson ali na Paris dos 1940, 1950, 1960.
Para além do desdobramento biográfico do artistas, detalhando cronologicamente o passo a passo de Bandeira na sua curta, mas vitoriosa, vida de 45 anos, O poeta das cores oferece também algo que nos parece óbvio, mas nem sempre está presente nos filmes que querem fazer o espectador se envolver com a obra do cinebiografado.
Pelo conjunto de curadores, professores, marchands e artistas plástico que depõem no filme, e pela qualidade da “tradução” deles por palavras ao explicar da audácia e do ‘como’ da inventividade de Bandeira nas distintas fases ao longo de sua carreira, o filme nos estimula com competência a enxergar, ou melhor, a sentir o que está impregnado ali no quadro, metrica e cuidadosamente distribuído na tela de Bandeira.
O cineasta Walter Carvalho é um dos personagens que comenta a expressão icônica de Bandeira: “Nunca pinto quadros. Tento fazer pintura”. Carvalho compara a síntese à força que a expressão carrega a uma poema de Drummond (que, a propósito, trocava correspondências com Bandeira).
Já o sobrinho Francisco explica que, por trás da simplicidade estabelecida na famosa expressão está uma verdade profunda observando o seguinte: “O quadro não parece significar uma realidade autônoma. A pintura é um estado de espírito”. E, complementamos, é um estado de espírito seja para o artista, seja para o apreciador.

Cartaz do filme
E de fato, os olhos e a mente do espectador irão acessar mais intensamente o filme de Pimentel na medida em que seu estado de espírito estiver afinado àquilo que importava a Bandeira.
Não apenas pelo que existe de corporificado em suas telas – as cores ricas e contrastantes na infância cearense, e a liberdade das formas e traços na vida adulta – mas também pelas possíveis inquietações vividas por esse solitário nordestino, preto, na Europa.
A propósito, o que, segundo dizem os especialistas, poderia surgir da obra de Bandeira caso ele tivesse chegado aos anos 1970 e 1980 em atividade, envolvendo questões de etnia, poderia até hoje impactar mais seus pares no mundo.
Sendo também um calibrado poeta, o filme se apropria de trechos da produção textual do artista para costurar as partes que somaram o todo do enredo. Nisto, Pimentel é feliz em encadear horizontalmente trípticos distintos de Bandeira e dá vida (na tela) ao que o artista comenta sobre a sua produção: “talvez gostasse de fazer quadros em circuito”.

Tríptico de Antônio Bandeira
E para finalizar, o cineasta deixa um grande trunfo encerrando o documentário: imagens do filme inacabado O colecionador de crepúsculos, de quando o diretor João Maria Siqueira registrou a passagem de Bandeira pelo Ceará como um já consagrado artista, no início dos anos 1960.
As imagens em movimento são simples mas muito eloquentes, ainda mais sob a narração em off de uma carta de Carlos Drummond de Andrade enviada em 1960 para Bandeira, e, ainda mais, tendo nós, espectadores, passado 1h20 ouvindo e vendo quem e como seria o homem Bandeira.
Ao vermos as imagens em movimento do artista brincando o Jogo das Pedrinhas com uma menina maltrapilha em algum canto no cais do porto de Fortaleza, Bandeira ganha uma nova dimensão. E a eloquência de uma imagem em movimento, assim como a natureza do abstracionismo de Bandeira, não são coisas que se resolvem com explicações. O sentido sobre elas está no nosso espírito.
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