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Festivais

49º Brasília (2016) – Câmara de Espelhos

Sobre o machismo que você nem se dá conta que pratica

Por Luiz Joaquim | 21.09.2016 (quarta-feira)

A primeira informação óbvia a trazer ao leitor sobre Câmara de espelhos (Bra., 2016), filme da pernambucana Déa Ferraz, que nascerá para o mundo às 17h de hoje (21) no Cine Brasília em sessão especial dentro do 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é que ele parte de um dispositivo para comprovar uma tese que já sabemos ser verdadeira: o machismo existe.

Mas não é aí, no óbvio, que reside a pertinência de Câmara de espelhos e sim em trazer à baila como o machismo se manifesta sutilmente (além de brutalmente).

O dispositivo elaborado pela cineasta junto ao trabalho da Parêa Filmes, Ateliê Produções e Alumia Conteúdo consistiu em convidar por um anúncio de jornal homens entre 18 e 80 anos a colocar sua opinião numa “tela de cinema”. 14 homens divididos em dois grupos de sete – que a montagem vai alternando ao longo do filme – são mostrados num ambiente cercado por espelhos. Espelhos que escondem câmeras registrando suas imagens e opiniões.

Os homens são estimulados a falar após verem imagens, previamente definidas pela direção, que são projetadas por uma tevê dentro da “câmara de espelhos”. E é aí que começa a investigação da Déa Ferraz.

A diretora Déa Ferraz em foto divulgação

Cenas de um parto, de mulheres dançando funk, ou de uma esposa dizendo ao marido durante uma refeição que quer “fuder” com vários homens “e ser coberta de porra”, ou da sugestão de que desde a infância as mulheres são tagarelas, ou ainda de um velho (o ator Silvio Matos, do Vlog do Fernando) indignado porque uma blogueira anunciou que planeja fazer sexo em um ano com 100 homens, entre outras provocações dão partida às opiniões dos 14 convidados da cineasta.

Entre algumas das questões mais valiosas que Câmara de espelhos arregaça é que ainda que discursos coerentes possam sair da boca de alguns homens, essa mesma boca pode se trair apresentando ideias duras (sem nem se aperceber) quando estimulada por um outro aspecto machista.

Mas não há apenas sutilezas. As brutalidades estão aqui também, mais marcadamente em específicos convidados. Sobre estas o impacto deve (esperamos) provocar uma reação imediata, e não tardia, na platéia. Reação de nojo ou, pelo menos, de autorreflexão.

Em material de imprensa de Câmera de espelhos já foi divulgado que o desejo era que a estrutura do dispositivo do filme remetesse a “uma mesa de bar tipicamente masculina, também com suas regras, formatos e discursos pré-estabelecidos”.

Há, porém, uma curiosidade no dispositivo estabelecido. Sem que os convidados saibam, existe entre eles um, digamos, infiltrado da produção. Por meio de um ponto no ouvido ele é eventualmente sugerido que se posicione diante do grupo, acirrando ainda mais alguma temática já em processo. O segundo sexo, de Simone de Beauvoir e o conceito do “destino biológico” são invocados, por exemplo, elevando o teor do bate-papo.

Apesar de, em absoluto, não desvalidar a importância do experimento (e da necessidade de difundir um filme como este), a estratégia apenas sugere um receio na própria capacidade de gerar material bom o suficiente, ou simplesmente não-enfadonho e repetitivo, a partir do encontro dos convidados.

De qualquer maneira, a atenção aqui precisa estar na ideia de que homens possuem dificuldade de avaliar, em sua totalidade, o sofrimento feminino causada por motivos contra o feminino. Afinal, eles foram educados para serem masculinos também no que de pior isso pode significar.

Mas, cuidado, a assertiva não deve ser entendida como determinista, apenas como um constatação óbvia, assim como o filme também fala, da maneira como as mulheres ainda estão (muito) encrencadas na nossa sociedade patriarcal, e do quanto os homens têm a aprender.

Dessa forma, o que o filme de Déa sugere é um aprendizado constante para que se chegue o mais próximo possível da compreensão do que significa sofrer – mesmo em algumas esferas que nem se desconfia – pelo simples fato de ser mulher. Até que, um dia, o machismo seja algo que exista apenas numa aula de história.

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