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Festivais

49º Brasília (2016) – noite 1

A memória de nossas imagens do passado provocando, sem nostalgia, nosso presente.

Por Luiz Joaquim | 21.09.2016 (quarta-feira)

BRASÍLIA (DF) – Tendo sido a ideia de Eduardo Valente, novo curador do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, fazer desta 49º edição um momento de apropriação da estética do cinema para suscitar reflexões políticas, e vice-versa, a escolha dos títulos projetados na abertura – iniciada ontem (21) – não poderia ter sido mais certeira.

Eryk Rocha, ao apresentar no palco do Cine Brasília seu Cinema novo  – o primeiro filme a receber em Cannes o troféu “Olho de Ouro”, pela categoria documentário -, deu o tom, em sua fala, para o que será a temperatura dos seis dias restantes do evento.

Apresentando-se com um “Eternamente, Fora Temer!”, Eryk atiçou o já efusivo público do festival que iniciou em coro um “Fora Temer!”.  Eryk dizia-se emocionado pela responsabilidade de ter seu trabalho abrindo este festival , este particular, principalmente no momento em que se vive um tortuoso tempo político no País.

Antes de Cinema novo, subiu ao palco Lauro Escorel, o veterano fotógrafo com um dos olhos mais apurados do cinema brasileiro. Sucinto, apresentou seu novo curta , Improvável encontro, com elegância e modéstia, lembrando que era apenas um curta-metragem.

O título, entretanto, mostra-se mais eloquente do que muitos longas-metragens que conhecemos. Com uma construção montada inteiramente a partir das fotografias de José Medeiros e Thomaz Farkas Improvável encontro investiga as diferenças e aproximações destes dois monstros da fotografia no Brasil.

Entre registros fotográficos e depoimentos de pessoas contemporâneas aos dois artistas, Escorel conta a trajetória separada de  Medeiros e Farkas, com o primeiro mais livre e atento às figuras humanas e a instantaneidade do fotojornalismo, e o segundo com um olhar mais formalista para o universo que retratava.

Mais importante ainda, Escorel relativiza aqui a ideia de que o trabalho de Medeiros foi o único a influenciar Farkas, quando na verdade, a partir do primeiro encontro concreto dos dois, uma admiração mútua e frutífera surgiu imediatamente. Escorel monta tudo isso com a mesma elegância formal, estética e viva de seus cinebiografados. Belo.

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Fotos, crédito, Júnior Aragão, divulgação.

CINEMA NOVO – “Não é uma filme sobre o Cinema Novo”, disse Eryk Rocha a respeito de seu filme-ensaio em entrevista coletiva que durou mais de três horas na manhã de hoje (21). O realizador puxava, com essa colocação, o fato de que o projeto que durou nove anos  para ser concluído (como revelou o produtor Diogo Dahl – filho de Nelson Pereira dos Santos), surgiu repelindo tudo que soasse nostálgico ou anedótico no que diz respeito ao movimento cinematográfico mais emblemático do Brasil.

“Fazer um filme ‘sobre’ alguma coisa já é totalizante. Já cria uma força contra algo. A ideia era trazer a energia do movimento para os dias de hoje”, contextualizou Eryk, contando também que entre 2007 e 2009 chegou a fazer 19 entrevistas com diretores e atores da geração de seu pai (além de mais uma com Ruy Guerra em 2015).

Nenhuma destas entrevistas entrou no corte final de Cinema novo para não abrir uma janela a um campo revisionista, a partir do que eles pensam hoje, do movimento. “O que me motivava quando desenvolvíamos o filme”, disse Eryk, “era entender qual o sentido de continuar fazendo um filme hoje. Era trazer e corporificar aos dias de hoje o sentido do movimento. E hoje temos um País em transe. O País treme!”.

De fato, mais do que contar uma história cronológica do entendimento do que foi o Cinema Novo, além de sua importância, o documentário quer ressaltar a liberdade e heterogeneidade que era criado pelos seus realizadores há 50 anos. Feito então com um objetivo muito claro de mostrar imagens e temas de um Brasil escondido, e fazer dessa própria estética o seu oxigênio para uma revolução contra o estado de opressão que então se vivia.

Num momento histórico vivido hoje, aqui na entrevista coletiva do Festival, Jean-Claude Bernardet ressaltou essa autonomia descolada no filme de Eryc dos clássicos do cinema brasileiro ao qual seu doc. olha. Conforme Bernardet, há em Cinema novo uma autonomia não apenas temática, mas também estética uma vez que as imagens de abertura do filme – numa montagem que agrega diversos personagens cinemanovistas correndo nas mais diversas direções – refletem uma outra espacialidade, dando a urgência contemporânea que vivemos.

Bernardet também iluminou a todos ao lembrar, como testemunha ocular, da primeira exibição no Rio de Janeiro de São Paulo S/A, de Luís Sérgio Person (ao qual Cinema novo agrega imagens, como também de títulos de Walter Hugo Khouri e Alberto Cavalcanti). Bernardet recordou que o filme do Person foi totalmente rechaçado naquele momento, tendo sido acusado de “historicista”, por Glauber, para retratar uma inquietação de uma pequena burguesia rejeitada.

 Sobre estas e outras questões as entrevistas mencionadas cinco parágrafos acima poderiam (ou não) ajudar a clarear mais a respeito de polêmicas como estas. Elas (as entrevistas) terminaram por ser usadas num outro projeto, para compor uma série – também dirigida por Eryk – em seis episódios. Foi batizada de A aventura da criação e irá ao ar pelo Canal Brasil (co-produtor de Cinema novo) provavelmente em dezembro.

Cinema novo, o filme, estreia em circuito comercial dia 3 de novembro próximo com distribuição da Vitrine Filmes.

  • Viagem a convite do festival.

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