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Críticas

O Silêncio do Céu

As dores e os medos pela incomunicabilidade, em tons hitchcockianos

Por Luiz Joaquim | 21.09.2016 (quarta-feira)

São muitos os aspectos que merecem nota, boa nota, em O silêncio do céu (Bra., 2016), terceiro longa-metragem de Marco Dutra, que estreia amanhã no Brasil (22/09 – mas sem data de estreia no Recife). Vamos enveredar por apenas três destes aspectos.

O primeiro é a forte presença aqui de Carolina Dieckmann, uma atriz marcada pela performance em telenovelas – meio pelo qual habitualmente o ator é determinado a atuar deixando as sutilezas de lado e quando redundâncias são corriqueiras, como por exemplo falar sozinho para o telespectador entender o que seu personagem está pensando.

Dieckmann tem em O silêncio do céu talvez a chance que nunca possuiu de revelar suas qualidades para criar nuances em um personagem complexo, que vive um conflito interno e nele nos deixa, nós espectadores, tão perdidos (no melhor sentido) quanto seu próprio personagem. Tal qual nós faria uma típica loira hitchcockiana.

A sequência de abertura já é muito eloquente nesse sentido, com uma situação violenta na qual Diana (Dieckmann) é estuprada por dois homens. Com o enquadramento quase que constantemente em seu rosto, e impedida de falar, cabe à atriz transmitir com a expressão de seus olhos toda a angustia do sofrimento pela situação. E ela consegue não só aqui, mas também no decorrer do enredo, num trauma que vem a desenvolver silenciosamente.

 

Daí já passamos para o segundo aspecto positivo da obra. Falamos da direção segura, madura, de Dutra. É dele (e de sua equipe técnica) também o mérito pelo forte impacto nesta mesma sequência de abertura.

Mais do que procurar enquadramento sofisticados (e há sofisticação nisto também), Dutra dá ênfase à edição e desenho de som. Com uma equalização muito particular, variando em acordo com a intensidade do sofrimento de Diana na cena brutal, a sugestão aqui é a de sufoco, de clausura numa impossibilidade de escapar. O efeito é perturbador.

Numa trama meticulosa que vai nós soltando suas informações por parcelas, Dutra mantém o espectador, por meio filme, no mesmo status de perturbação de Mário (Leonardo Sbaraglia, de Relatos selvagens), marido de Diana que flagrou o estupro mas não teve coragem para reagir e salvar a esposa. É mais um trauma, este masculino.

Na expectativa de ouvir de Diana sua versão para a tragédia que viveu, Mário é frustrado, pois sua companheira não dá uma palavra sobre o assunto. Mas por que? Seria um efeito obscuro do trauma, um constrangimento, ou o que?

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A verdadeira razão vai sendo desvelada a Mário (e ao espectador) aos poucos, e apresenta-se por um contexto mais intricado do que se imagina, principalmente se vinculado à fobia generalizada pela qual sofre o roteirista de tevê interpretador por Sbaraglia.

Nesse sentido, O silêncio do céu remete em algumas instancias ao ótimo Para minha amada morta (2015), de Aly Muritiba, inclusive no crescente grau de tensão elaborado.

É quando chegamos ao terceiro aspecto a registrar aqui. Queremos falar da bem-vinda criação de obras de gênero, no caso o suspense, na atual produção nacional. Adicionando O lobo atrás da porta (2014), de Fernando Coimbra , a uma lista com aos dois filmes antes mencionados, teríamos uma “tríade da vingança” no contemporâneo cinema brasileiro que mostra o quanto nossa produção pode criar produtos intensamente envolventes sem abrir mão da inteligência cinematográfica, oferecendo também experiências estéticas marcantes e eloqüentes. Um viva, então.

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