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Críticas

Bruxa de Blair (2016)

A difícil façanha de ressuscitar uma bruxa com a mesma dignidade que ela conquistou o mundo

Por Luiz Joaquim | 05.10.2016 (quarta-feira)

Anunciado como uma sequência obediente e fiel ao original A bruxa de Blair (1999), de Daniel Myrick e Eduardo Sanchez, este novo Bruxa de Blair (Blair witch, EUA, 2016), dirigido por Adam Wingard, já nasceu com o pesado estigma de ser uma continuação. E isto depois da medíocre e traumática sequência caça-níquel, o A bruxa de Blair 2: O livro das sombras, de Joe Berlinger, ter vindo ao mundo em 2000 no rastro do sucesso do filme original.

Não é por menos que levou tanto tempo para dar continuidade com competência a um projeto tão inteligente e renovador como A bruxa de Blair. Quando surgiu há 17 anos o filme independente e realizado com baixíssimo orçamento (custou US$ 60 mil, rendeu US$ 140 milhões) mostrou que fazer cinema com vídeo (sim, lembram desse termo?) era algo viável.

Até 1999 a relação com o cinema de horror pela qual a indústria vinha investindo contentava-se, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, em derivações do terror por trás de um psicopata que matava jovens desavisados. De um modo geral a carnificina e o muito sangue jorrado de adolescentes que eram perseguidos recheavam as sequências dos Sexta-feira 13, A hora do pesadelo e seus derivados.

Quando surgiu ao mundo pela primeira vez, numa mostra paralela no 52º Festival de Cannes, colocou a crítica mundial numa saia justa. Isso porque aquele falso-documentário (anunciado como autêntico) sobre três estudantes de cinema que desapareceram em 1994 na floresta de Burkittsville (EUA) e cujas fitas e rolos de filme em 16mm gravados por eles haviam sido encontradas um ano depois, atiçou a curiosidade da imprensa por mais detalhes.

Numa época em que a Internet não era totalmente dominada, nem produzia um volume de informações tão colossal quanto hoje, a única fonte de informações sobre o assunto era um site  do próprio filme (hoje atualizado com infos do filme 2016), que não apenas confirmava a invenção do falso-documentário, como dava mais detalhes misteriosos sobre o caso do desaparecimento e da suposta lenda de Blair.

Para piorar havia ainda uma informação no já então mais confiável site cinematográfico do mundo – o Internet Movie Data Base (IMDB) – que permaneceu lá até antes do filme ser lançado em cartaz. Constava que os três protagonistas de A bruxa de Blair – Heather Donahue, Michael C. Williams e Joshua Leonard – estavam realmente desaparecidos, provavelmente mortos.

 

O mundo do cinema entrou em parafuso ao mesmo tempo em que os autores do filme enriqueciam. Uma história, esta real, conta que com o sucesso de bilheteria do filme já estabelecido a secretária-eletrônica da prefeitura da pequena Burkittsville atendia os telefonemas com a seguinte gravação: “Você ligou para a prefeitura de Burkittsville. Se procura dados sobre a bruxa de Blair, informamos que é tudo mentira”.

Apesar do sucesso, A bruxa de Blair não conquistou a todos. De certa forma, uma parte do público não estava preparada para as imagens sujas, ou fabricadamente toscas do filme. Também não esperam ver numa sala de cinema sequências “mal-gravadas” feitas por uma câmera mini-DV na mão, chacoalhando o tempo todo enquanto os protagonistas corriam desesperados pela mata escura de Burkittsville.

Isto porque muitos ainda estavam condicionados, pela doutrina da indústria construída por anos, a desejar nos filmes do gênero o susto pelo inesperado barulho após uma maçaneta ser finalmente aberta, ou pelo ápice final com a face deformada do vilão sendo plasticamente estampada na tela.

De toda forma, uma nova e rentável trilha foi aberta por Blair dentro do gênero do horror. A dos filmes que se baseiam em material de arquivo, supostamente autênticos, emprestando veracidade ao que se vê.

Desse mesmo terreno, filhotes diretos de Blair emergiram (e continuam a surgir até hoje), como o espanhol [REC] (1997); Cloverfield (2008); o sulafricano Distrito 9 (2009); Atividade Paranormal (2009); Contatos do 4º grau (2010), Invocação do mal 1 e 2 (2013, 2016) e Rua Cloverfield, 10 (2016) entre tantos.

Dito isso, não é justo esperar de Bruxa de Blair algo revolucionário como foi seu original. Nesse sentido, o filme de 2016 é um bem interessante re-estudo do que fizeram Myrick e Sanchez em 1999.

2016 – Bruxa de Blair  teve o cuidado de ater-se às premissas do filme um. O novo título nos apresenta sua história apenas pelo material filmado por uma outra equipe, com quatro estudantes, sumida em 2015 também em Burkittsville. Eles preparavam um documentário sobre o trio que sumiu em 1994.

Ao contrário do filme um, alguns atores aqui assumem outro nome vivendo seus personagens, como Callie Hernandez (Lisa), Corbin Reid (Ashley) e Brandon Scott (Peter), além de James Allen McCure (como se fosse ele mesmo, James).

No enredo, James é o irmão da Heather, do filme um. Quando ela sumiu, James era um garoto e hoje adulto teve acesso a um filme de arquivo postado no YouTube pelo jovem Lane (Wes Robinson), que vive em Burkittsville. No vídeo online, James tem certeza que vê o reflexo de Heather, o que lha faz acreditar que ela ainda está viva.

 

O quarteto parte para a floresta equipado com microcâmeras acopladas na orelha, um drone para tomadas áreas, aparelhos GPS e walkie-talkies. Aparelhados, enfim, para não correrem o risco de se perderem.

Essa é, inclusive, uma grande sacada do roteiro de Simon Barrett (e da direção de Wingard), ou seja, trazer todo o tipo de ideia de segurança que as novas tecnologias sugerem para, aos poucos, ir derrubando-as uma a uma e nos dar a medida do desesperado das novas vítimas de Blair.

Ao mesmo tempo em que 17 anos após o filme 1 o público já não mais estranha o ritmo deste novo falso-documentário, ele também está mais exigente com a forma como ele é apresentado. E, tão inteligente quanto, manter-se à premissa de construir um filme inteiro com “material de arquivo” é também nunca mostrar a face da bruxa de Blair.

Ficamos, assim, apenas sugestionados pelo crescente pavor dos personagens – aqui bem defendido pelos atores – e de olhos bem abertos para todos os cantos da tela em busca de alguma imagem que plasticamente nos revele a bruxa. Este é, sem dúvida, um dos grandes trunfos da franquia.

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